Dezembro de 1968 corria em Lourenço Marques (hoje Maputo), onde a família estava. Eu tinha 10 anos e o meu pai era chefe das telecomunicações do aeroporto da capital. Além disso era um entusiasta do espaço, um autodidata nestas coisas que comprava livros sobre ciência e tecnologia, que eu lia e me deliciavam. Por entre os futurismos de Wernher von Braun estavam também a enciclopédia de ciências e a vasta coleção de ficção científica onde figuravam Robert Heinlein, Isaac Asimov, Ray Bradbury e Curt Siodmak entre tantos outros..Em 1968 assisti com ele ao 2001 - Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick (em Cinema Scope se bem me lembro), filme que marcou pelas imagens artísticas da Terra e da Lua, da Estação Espacial (EE) imaginada segundo o modelo que Von Braun defendia, da beleza do transportador Orion III da Pan-Am que bailava em sincronia com Strauss enquanto aportava em rodopio lento na EE, das hospedeiras com sapatos de velcro para não flutuarem tal como se faz na ISS, além das inimagináveis videochamadas para a Terra. (Nota: veja-se o filme para entender onde o Star Wars foi copiar ideias.).O ambiente estava lançado para seguir com fervor o projeto Apollo. Televisão não havia em Moçambique e, por isso, os jornais eram a fonte diária do que ia acontecendo. A falha grave com a morte dos astronautas da Apollo I em 1967 foi um revés, mas sucederam-se em passo rápido outros lançamentos que foram testando as tecnologias e manobras necessárias ao sucesso da missão como, por exemplo, os motores do Saturno I-B e V, os do Módulo Lunar, a acoplagem dos módulos de comando e lunar, etc., tudo isto em órbitas terrestres..Pelo Natal de 1968 é lançada a Apolo VIII, a primeira que irá até à Lua com os astronautas Frank Borman (comandante), Jim Lovell (navegador) e Bill Anders. É feita a primeira injeção na trajetória para a Lua e com sucesso. O meu pai tentava explicar-me os problemas que existiam mas poucas vezes eu entendia bem a física da coisa. Os jornais enchiam-se de diagramas explicativos do que ia acontecendo e fotografias do lançamento, algo que era muito fascinante e se aguardava ansiosamente todos os dias. Na rádio passavam informações mais amiúde mas o meu fascínio incluía os diagramas e as imagens..Em maio de 1969 a Apollo X testa tudo ao limite: o módulo lunar aproxima-se até 15 quilómetros da superfície lunar e depois regressa com sucesso à Terra. O ensaio principal agora completo deixa a porta aberta para, apenas dois meses depois, ser lançada a Apollo XI..Mas a corrida com os soviéticos estava ao rubro: cada nação queria ser a primeira e a melhor. Em dezembro de 1966 a Luna 13 tinha pousado na Lua. Em abril de 1968 a Luna 14 fica a orbitar a Lua e a URSS coloca a Luna 15 em órbita lunar a 18 de julho de 1969, mesmo em cima do lançamento da Apollo XI. Curiosamente dão-lhe uma órbita elíptica que se aproxima 16 quilómetros da superfície, com um apoastro na centena de quilómetros. Os jornais falam cuidadosamente disso e do ténue risco que, à última hora, é criado desnecessariamente. Ninguém entende bem os planos soviéticos e eles não passam informação alguma, relevante, para o resto do mundo..Chega julho de 1969 e o Saturno V que carrega a Apollo XI está pronto para descolar. De cabo Canaveral é lançado, com estertor, o único foguetão capaz de colocar 140 toneladas em órbitas baixas, algo que até hoje mais ninguém conseguiu fazer. As páginas de jornal corriam tinta sobre o espaço a cada dia que passava. As descrições do dia 16 ao 20 pormenorizam as tarefas e as etapas que se cumprem: a injeção na órbita translunar (como fica escrito), a atracagem entre os dois módulos, etc., até ao que eles comem e como se vive dentro das naves, aos futuros planos e promessas desejadas..Dia 20 omódulo lunar pousa na Lua com sucesso. É a apoteose completa. O Diário de Notícias faz reportagens típicas do que hoje ainda se poderá escrever, no deslumbramento inebriante da situação: "O século XXI começou hoje" ; "Todos os planetas ao alcance do homem" ; "Qualquer poderá viajar no espaço, independentemente da idade e do estado físico, assegura a NASA" ; "Objectivo de 1969: a Lua; de 1986: Marte". Isto é mesmo a ficção atual!.Os soviéticos dão os parabéns aos EUA, falam de cooperação nesta aventura do espaço e dizem que na década seguinte colocarão um homem na Lua. Nunca aconteceu..Foram outros três dias a seguir os jornais, mas agora com o objetivo principal já cumprido: a alunagem tinha corrido bem, apesar das vicissitudes que foram ocorrendo nos últimos instantes da manobra. Completaram a missão com os instrumentos científicos que lá deixaram e só faltava regressar à Terra com os 21,55 quilos de rochas lunares. Não havia imagens do momento para se degustar a cada instante, tal como foi mostrado na televisão, mas a informação ia chegando na edição do dia seguinte..Pelo caminho fiz 11 anos, no dia 23, e a Apollo XI amarou um dia depois com sucesso. Marcou a humanidade e marcou-me a mim. O meu imaginário do espaço voou alto e passei a construir modelos de estações espaciais em coroas circulares e com rotação, com dois andares, hangares, antenas, escotilhas e portões de acesso para foguetões, que planeava e construía em cartolina e outros materiais em grandes dimensões, enquanto lia a ficção científica dum futuro ainda longínquo mas que vivia com paixão..O sonho foi comandando a vida enquanto aprendia a física e as leis do universo..Já lá vão 50 anos.