Em 1869, uma onda de euforia percorreu o mundo, dos Estados Unidos à Europa, de África à América do Sul. A 14 de setembro, centenas de milhares de pessoas reuniram-se e saudaram em diferentes latitudes e longitudes, os cem anos sobre o nascimento de Alexander von Humboldt. Geógrafo, naturalista, explorador e filósofo prussiano, Humboldt ampliou, ao longo dos seus 89 anos de vida, os limites do mundo e o entendimento da natureza nas suas relações ínfimas e globais. De Humboldt, disse o rei prussiano Frederico Guilherme IV, tratar-se "do maior homem desde o Dilúvio"..Assim nos recorda a historiadora e escritora de origem alemã, Andrea Wulf, autora do livro A Invenção da Natureza, obra que é retrato vívido do périplo mundial de Humboldt, o homem que em 1801, preconizou na sua escrita um futuro pouco grandioso para a humanidade. Cria Humboldt na eventual expansão do Homem para o espaço, "numa letal mistura de vício, ganância, violência e ignorância por outros planetas, tal como estava a fazer já com a Terra", escreve Andrea na obra já citada. Humboldt dá o seu nome a um mar lunar, a um asteroide, a uma corrente oceânica, a dezenas de picos e serranias, a um glaciar e a mais de três centenas de plantas e cem animais, entre elas um pinguim nativo do Peru e do Chile, na América do Sul..Humboldt explorou o continente sul-americano ao longo de cinco anos, de 1799 a 1804, onde precisou latitudes e longitudes, cartografou, identificou 60 mil plantas, alguns milhares até então não catalogados pela ciência, estudou a corrente oceânica no Oceano Pacífico que receberia mais tarde o seu nome. A par com Aimé Bonpland, botânico e médico francês, Humboldt consagrou-se, em 1802, o ser humano a escalar a maior altitude, naquela que era tida, na época, como a montanha mais alta da Terra (é-o de facto, quando medida do pico ao centro da Terra), o Chimborazo, um vulcão no Equador, a sul da capital, Quito. A dupla Humboldt/ Bonpland escalou até aos 5917 metros de altitude, aquém dos 6263 metros do pico, desistindo por força da rarefação do ar..Uma escalada que documentou a vida vegetal na montanha, desde a floresta tropical, no sopé, aos líquenes que cravam a sua existência nos rochedos, acima da linha de árvores. Uma alteração nas espécies da vegetação em altitude, num mesmo lugar, que Humboldt relacionou, pela primeira vez na história das ciências da Terra, com aquela que se verifica no coberto vegetal ao subir-se ou descer-se em latitude. Facto que o naturalista ilustrou no seu Naturgemälde, de 1807, também conhecido como Mapa Chimborazo, representação com corte transversal sobre a distribuição em altitude do coberto vegetal..DestaquedestaqueHumboldt explorou o continente sul-americano ao longo de cinco anos, de 1799 a 1804..A conquista do Chimborazo fixou nas décadas seguintes a representação da figura de Humboldt em inúmeros mapas inspirados numa corrente da cartografia que percorreu a Europa e os Estados Unidos, a da representação comparativa da altura de montanhas e o comprimento de rios, em cartas que urdem arte, ciência e uma dose pródiga de fantasia. Cartas que não são alheias ao movimento global de exploração de grandes picos montanhosos em diferentes continentes nos séculos XVIII e XIX, assim como a disseminação de atlas, mapas de parede e exemplares de bolso..A imagem de Humboldt, apegado a um bastão de caminhada, contou com lugar cativo em mapas comparativos a partir de 1817, um mínimo ponto próximo ao pico do vulcão andino que quase conquistou, numa gravura que aproxima e empilha dezenas de hércules do mundo geológico, independentemente da sua posição real no globo terrestre. O mapa de Thomson, cartógrafo escocês, cobre os hemisférios Ocidental e Oriental, destaca no continente asiático aquele que, a partir de 1808, se considerou ser o pico mais alto do mundo, o Dhaulagiri, nos himalaias nepaleses, com 8167 metros de altitude. Na realidade, trata-se do sétimo pico mais alto do globo. O Evereste teria a sua altitude de 8848 metros reconhecida na década de 1850, numa publicação britânica, embora a montanha figurasse desde o início do século XVIII num atlas chinês como a de maior altitude..Humboldt não é a única criatura viva no mapa de 1817, ao partilhar as altitudes com um condor, a maior ave voadora do mundo, em adejo planante a cerca de 6500 metros. No quadrante oriental, sobre a cordilheira asiática, paira um minúsculo balão de ar quente, abrigo aéreo para o químico e físico francês, nascido em 1778, Joseph Louis Gay-Lussac. Em 1804, o homem que contribuiu com os seus estudos para as leis dos gases, ascendeu aos céus de Paris com um companheiro de ciência, o físico e astrónomo Jean Baptiste Biot. Pioneiros no balonismo, a dupla alcançou os 6900 metros de altitude. Para a posteridade, os mapas comparativos de alturas e comprimentos fizeram justiça a Joseph Lussac, ao representarem-no. Esqueceram Baptiste Biot..Mapas que, na tradição Humboldtiana, estratificam vegetação e fauna nos seus limites de existência em altitude, sem esquecer a coabitação dos gigantes rochosos com as grandes cidades europeias da época, como Paris e Londres, e urbes a grande altitude nas américas, como a Cidade do México e Quito, a par de edifícios símbolo da civilização, como as pirâmides do Egito..Expoente da representação comparativa de montanhas, o mapa de 1851 do cartógrafo, artista e gravador britânico John Emslie eleva os principais picos montanhosos à ilusão de catedrais góticas. Emslie, autor de obras de carácter educativo, ofereceu a sua arte à procura de informação sobre desenvolvimentos na ciência e engenharia decorrentes da Revolução Industrial, e cobriu áreas como geologia, geografia, astronomia e filosofia natural. Emslie, na sua gravura de 1851, não esqueceu a sempre presente trilogia Humboldt, Lussac e condor, embora lhe junte na conquista dos céus, o feito do maior balonista britânico do século XIX. Em 1838, Charles Green rondou as nuvens a aproximadamente 6000 metros de altitude. .A publicação de mapas comparativos de montanhas, rios e outros elementos geográficos manteve-se até meados do século XIX, entrando nessa época em declínio. Em 1851, um mapa comparativo de cataratas, ilhas, lagos, rios e montanhas do hemisfério ocidental, editado em Nova Iorque (pela J. & F. Tallis), mantinha uma linha de referência ao ponto mais alto alcançado por Humboldt. Nas américas, o Chimborazo tinha, entretanto, sido despromovido a quarto pico mais alto do continente..dnot@dn.pt