Onde está? Aguarde, o socorro já vai a caminho
"Centro de Orientação de Doentes Urgentes, boa tarde. Fala o operador Álvaro Almeida. O que precisa? Qual é a morada, por favor? O número da porta? A senhora tem que idade? 57 anos. E está acordada? E não está a deitar sangue? Não lhe mexam. Escute, é importante para não agravar uma possível lesão. Caiu? Escorregou na água. Vamos já encaminhar ajuda". A cadência das perguntas faz-se à medida das respostas. Ao mesmo tempo que fala ao telefone, Álvaro preenche a ficha no computador. O ecrã divide-se em três caixas, uma envia a informação diretamente para os colegas ao fundo da sala que acionam os meios. Neste caso uma ambulância dos bombeiros de Pinhal Novo.
Hoje celebra-se o Dia Europeu do 112, o número de emergência médica que desde 1997 é igual para toda a comunidade europeia. Antes, por cá, sempre que era preciso ajuda discava-se 115. Um serviço que começou em 1965, em Lisboa, e mais tarde, em 1967, no Porto e Coimbra. Por dia, adianta a PSP, a central que está a cargo das forças de segurança "atende entre 20 mil e 25 mil chamadas", "95% em menos de seis segundos". A maior fatia são pedidos da área da emergência médica, seguem-se as que precisam de meios das forças de segurança e as de proteção civil.
As relacionadas com a saúde são encaminhadas diretamente para o Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU), que pertence ao INEM. A sala no primeiro piso da sede do INEM está à semi luz. O ideal para que os operadores vejam bem os ecrãs e as letras do teclado. Foi construída de propósito para o serviço. As cadeiras estão praticamente todas ocupadas e sobressai o branco das blusas e o amarelo dos casacos refletores. Durante a semana os turnos de oito horas podem chegar aos 17 operadores. São menos nos turnos da noite e aos fins de semana. Uns dias mais, outros menos, mas nunca atendem menos de 50 chamadas. No ano passado o INEM atendeu 1,3 milhões de chamadas, mais 67 mil que em 2015, e acionou 1,2 milhões de meios de socorros, como ambulâncias e viaturas médicas (Vmer), mais 83 que no ano anterior.
"Um dos motivos prende-se com o aumento da consciência que o 112 e o INEM são serviços que podem e devem ser utilizados em situações de acidente ou doença súbita. A população sabe que o INEM presta um serviço com o qual pode sempre contar quando precisa de ajuda. Outro prende-se com o envelhecimento da população, que implica o aumento das necessidades de cuidados de saúde", diz Luís Meira, presidente do INEM, que na quarta-feira vai ao Parlamento, a pedido do CDS, para explicar a situação do instituto e os tempos de resposta às chamadas (ver entrevista).
O stress de quem quer ajuda
Uma voz sobressai. "Eu preciso que me diga como está o pai. Olhe para ele e diga-me o que vê. Estou a tentar ajudá-lo. Diga-me como está o pai. Estou a fazer o meu trabalho, assim não o consigo ajudar." Diana Afonso desliga a chamada. Sente-se a tensão. O que se passou? "Diz que quer uma ambulância, que o pai está mal mas não tem dores. Vou acionar uma ambulância porque pelo menos sei que não fica sem socorro. Mas posso estar a enviar meios desnecessários ou poucos, porque o pai do senhor pode precisar de um médico e eu não sei", conta a técnica de emergência pré-hospitalar (TEP).
Desde 2005 que Carla Veloso trabalha no CODU. "É normal as pessoas estarem nervosas e temos dificuldade em que colaborem connosco para termos o máximo de informação. Temos de nos abstrair dessa ansiedade, mas nem sempre é fácil. As pessoas não sabem ligar para o 112. Não sabem onde estão, que não somos nós que vamos ao local, que enquanto falam connosco estão outros a acionar os meios." Ouve-se de tudo. Mas são as situações com crianças as mais difíceis de lidar. Mortes súbitas, maus tratos. Já arrancaram lágrimas a Carla.
Diana guarda o número para voltar a ligar. A ambulância que vai a caminho liga primeiro. A chamada cai no posto de Mónica Seixas. Queriam ter mais informações e ela faz "a conferência". "Falei com o contactante, já estava mais colaborante. A ambulância está a minutos", explica. Mónica trabalha no CODU há 16 anos. Começou nos bombeiros como tantos outros ali. "Fui a primeira mulher nos bombeiros do Seixal. Comecei aí a minha formação e como trabalhamos em conjunto, os colegas gostaram do meu trabalho, concorri e vim. É o topo da emergência médica." Também acompanha os estagiários e faz backoffice no gabinete jurídico e quando perguntamos o que falta, "essencialmente recursos humanos" diz. O ordenado também é pouco. "Lidamos com vidas humanas, temos formação especifica, é um trabalho exigente que não pode ter quebras nem erros", refere. Álvaro, há ano e meio no CODU, gostaria que houvesse um investimento maior na carreira "com formação especifica e mais horas para que pudéssemos fazer ainda mais a diferença".
Tiago Augusto, enfermeiro, e Diogo Guerreiro, TEP, andam na ambulância. "O dia a dia é sempre uma incógnita. As situações que marcam sempre mais são os acidentes. Nunca se sabe o que está à espera", diz Tiago, que recorda um despiste de mota em que o motard morreu a caminho do hospital. "As lesões eram demasiado extensas." E como se lida com a morte? "Com a sensação de missão cumprida quando fazemos tudo o que é possível." Sobre os atrasos, "não podemos culpar só o INEM. Muitas são falsas urgências e parte do cidadão que recorre ao INEM. Os meios são finitos e daí muitas vezes a rutura", aponta Tiago, que só se vê a deixar o INEM "já velhinho". Diogo é mais calado. O que se sente quando se salva uma vida? "Sente-se tudo. É inexplicável", responde Diogo.