Ondas e vagas II

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Em Fevereiro deste ano, o Diário de Notícias fez o favor de publicar uma análise que fiz ao comportamento do vírus que a todos preocupa desde o início de 2020, que intitulei de "Ondas e vagas".

Nessa altura, comparando com o exemplo mais próximo - a gripe espanhola, escrevi o que abaixo deixo, com ligeiras alterações de forma, não de conteúdo e que mantém toda a atualidade, na minha modesta opinião:

Muito se tem especulado sobre as várias ondas Covid, em que onda estamos, quantas já passámos, se esta é já a terceira ou outra, muitas vezes através de comparações com a Gripe Espanhola de 1918/1919

(um ponto explicativo: uma onda tem o seu estímulo à distância e uma vaga tem o seu estímulo em proximidade, isto é, as ondas Covid 19 têm uma origem de propagação distante - Wuhan 2020 - como num tsunami, e as vagas que se vão encavalitando, têm uma origem próxima, como se tem visto nos comportamentos sociais em confinamentos e desconfinamentos).

Já foi escrito, e comprovado, que o vírus actual pode ter uma configuração sazonal, tal como o vírus da gripe Influenza, com picos no Inverno/Primavera e Outono/Inverno, com os Verões a serem mais brandos, como aconteceu durante a chamada Gripe Espanhola.

Façamos então um paralelo entre as duas doenças. Até agora não há motivos para pensar ao contrário:

de acordo com o CDC (Centers for Diseases Control, dos Estados Unidos da América) a gripe espanhola teve três ondas:

- a primeira, considerada a mais branda foi detetada em Março de 1918 no Kansas, USA. Foi uma onda de fim de Inverno/Primavera/Verão.

Podemos emparelhar com a primeira onda Covid. O SARS CoV 2 já passou um fim de Inverno/Primavera com uma onda relativamente forte no seu início e com um abrandamento visível por alturas do Verão.

- a segunda onda da gripe espanhola foi quando, depois de percorrer o mundo quase todo, retornou aos Estados Unidos em Agosto (fim de Verão/início de Outono por lá), matando milhões de pessoas no Outono/Inverno de 1918.

Podemos emparelhar com a segunda onda Covid, que tendo começado um pouco mais tarde, já em Outubro 2020, aguentou-se no fim de Outono/início de Inverno, depois de ter passado pelo hemisfério Sul, retornou ao hemisfério Norte com uma força muito superior à da primeira onda, provocando caos na maioria dos serviços de saúde um pouco por todo o mundo.

Aqui o comportamento das populações no post confinamento levou a que as vagas criadas se sobrepusessem à própria onda, tendo conferido uma dimensão de tragédia de difícil previsão e controlo.

Corresponde ao que temos sofrido nos últimos meses - vagas em cima de ondas!

- a terceira onda da gripe espanhola, mais moderada, iniciou-se já em Fevereiro de 1919, indo até Maio.

Podemos emparelhar com a atual onda Covid, que se poderá ter iniciado logo após a abertura e com uma fatia importante da população já vacinada, isto é, no início do Verão, e pode ser o período que estamos a viver agora, um pouco mais tarde, coincidindo com o início do Outono, mas atuando de forma semelhante.

Esperemos que seja também um período mais brando, coincidindo com o início do processo de imunidade de grupo, que no caso da gripe espanhola se deveu principalmente à grande percentagem de população infetada, e que agora esperamos obter via vacinação em massa!

Isto quer dizer que estamos no início/meio da terceira onda Covid se os vírus se comportarem em termos de contagiosidade e virulência, de uma forma semelhante.

Se se abrandarem as medidas de contenção, a terceira onda poderá ser quase tão dolorosa como a segunda que já vivemos, uma vez que os alvos serão os que ainda não estão imunizados.

Ou seja, tudo o que estamos a passar agora, poderia ser, não evitado mas sim minorado, se os muitos especialistas que entretanto foram crescendo em número e sapiência, tivessem sabido ler os sinais e os sintomas, isto é, se tivessem aplicado os conhecimentos semiológicos aprendidos nas Faculdades de Medicina.

A semiologia bem aplicada leva a diagnósticos bem-feitos e, muito sinceramente, acho que falhou uma história clínica bem feita e uma análise semiológica acurada, como deve ser feito perante qualquer avaliação de um estado clínico, seja individual ou de grupo.

Quer dizer, os sinais e os sintomas já são conhecidos há muitos meses e teria bastado lê-los e interpretá-los à luz dos conhecimentos científicos atuais, com base em conhecimentos científicos passados, colhidos em situações de magnitude semelhante.

Como soe dizer-se, para perspetivar o futuro há que conhecer o passado e aprender com o que a História tem para ensinar já que é na História que residem a maioria dos sinais e sintomas das sociedades atuais, sintomas e sinais que os especialistas deveriam ter sabido interpretar, pois é para isso que são especialistas!

Vacinação obrigatória, máscara obrigatória e distanciamento obrigatório deverão ser os três vetores essenciais para que se possa, com eficácia, controlar com poucos danos colaterais a onda que vem acompanhando o Outono/Inverno 21/22.

*Médico

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