Onda de despejos obrigou Espanha a mudar a lei
O rebentar da bolha imobiliária em plena crise financeira levou a que milhares de famílias espanholas fossem despejadas das suas casas. Os números eram assustadores. Só nos primeiros seis meses de 2012, de acordo com o Conselho Geral de Poder Judicial (CGJP), as autoridades realizaram, em média, 517 despejos por dia. E os bancos ficaram nesse ano com as casas de 30 mil famílias. Na altura, a Lei Hipotecária em vigor era de 1946, criada num contexto social económico muito diferente. Era pouco flexível e não tinha em conta os problemas gerados no mercado imobiliário, com a queda dos preços e a espiral de falências de imobiliárias e construtoras.
Entre 2012 e 2013 houve mais de 20 casos de suicídios relacionados com os despejos e multiplicaram--se os protestos nas ruas das diferentes cidades espanholas. Ante os suicídios e as manifestações, algumas entidades bancárias, como Kutxabank ou Caja Laboral, decidiram parar os despejos. Em algumas ocasiões foram os próprios vizinhos dos endividados que conseguiram impedir os despejos, apesar do forte aparato policial. Mas a lei continuava na mesma.
Houve um caso, o do marroquino Mohamed Aziz, que marcou um antes e um depois. Em 2011 foi notificado para abandonar a sua casa em Martorell (Barcelona) por falta de pagamento do empréstimo bancário. O seu advogado e o juiz lograram vencer o sistema com procedimentos legais e travar o processo, ao mesmo tempo que enviaram o caso para o Tribunal Europeu de Luxemburgo. Dois anos depois, em março de 2013, a justiça europeia considerou que as normas espanholas não respeitavam a diretiva comunitária sobre a proteção dos consumidores. Com esta sentença e o aumento da pressão social, o governo de Mariano Rajoy viu-se obrigado a modificar a lei. A nova legislação foi feita a correr e sem ouvir todas as partes. E não foi suficiente.
Com a nova lei, se as pessoas despejadas considerarem que a cláusula contratual é abusiva, podem opor-se e suspender a execução do despejo até os tribunais resolverem a questão. Os juízes passaram a ter esse poder até então inexistente. À luz da nova lei, os bancos só podem considerar o contrato vencido ao fim de três prestações em falta, quando até aí o podiam fazer logo que se falhava uma prestação; permite a dação em pagamento em alguns casos e retoca o código de boas práticas para os bancos. Os juros pelo atraso no pagamento desceram de um máximo de 30% até 12%.
O resultado está à vista: nos primeiros três meses deste ano, o número de despejos caiu 11,6% em relação ao mesmo período do ano anterior, totalizando 16 688. Na Cantábria, País Basco e Madrid a descida foi superior ao 20%. Mas mesmo com as mudanças estabelecidas na nova lei e com resultados mais positivos, Bruxelas não está totalmente satisfeita com a legislação espanhola e continua preocupada com as cláusulas abusivas que podem prejudicar os consumidores. Segundo a Amnistia Internacional (baseado nos dados do Banco de Espanha), entre 2012 e junho de 2014 houve em Espanha 97 577 execuções hipotecárias. Quer dizer, perto de cem mil famílias perderam o seu lugar de residência habitual. A Comissão Europeia já pediu este ano ao governo que adapte a sua lei de despejos à Europa.
Os despejos foram uma das faces mais mediáticas da contestação social durante a crise económica em Espanha. Foram muitos os movimentos e as plataformas que saíram à rua em defesa dos despejados. Um desses movimentos acabou por se transformar num partido político - o Podemos. Desde a sua constituição como nova força política (janeiro 2014), o Podemos tem como bandeira a defesa de uma casa digna para todos e tem-se colocado ao lado de quem não consegue pagar os seus empréstimos à habitação. Nas eleições regionais de 2015 apresentou mesmo no programa eleitoral uma lei de emergência contra os despejos para poder pará-los quando existe boa-fé nos devedores que não pagam por problemas económicos. Propôs igualmente a dação em pagamento retroativa.
A presidente da Câmara Municipal de Barcelona, a ex-ativista Ada Colau, é outra das grandes lutadoras contra os despejos e fez dessa luta a sua primeira promessa eleitoral. Mas, um ano depois à frente do governo local, foram contabilizados um total de 340 despejos.
Em Madrid