Omã. Elas veem a Lua. Eles, camelos!
Johka Alharthi nasceu em Omã e é uma escritora de literatura e cultura ainda pouco conhecida em termos internacionais. Porém, ganhou o prémio literário Man Booker International (2019), em Londres, sendo a primeira autora do golfo Pérsico a ganhá-lo e a primeira romancista do Sultanato de Omã a ser traduzida para inglês. "Celestial Bodies" (Corpos Celestes) foi o livro premiado, que, segundo o júri, "conquista espíritos e corações ao mesmo tempo (...), menciona as forças que nos pressionam e aquelas que nos libertam (...), numa tradução precisa e lírica". Jokha Alharthi conta a lenta evolução da sociedade do Sultanato, após a era colonial, através do amor e da tristeza de três irmãs que habitam a aldeia de al-Awafi: Mayya, que casa com Abdallah após um desgosto amoroso; Asma, que casa por obrigação; e Khawla, que rejeita todas as propostas enquanto espera pelo seu amado, que emigrou para o Canadá. Estas três mulheres e as suas famílias testemunham o desenvolvimento de Omã, de uma sociedade tradicional e esclavagista, da era pós-colonial até aos dias de hoje, marcados por um presente complexo. O livro de Johka Alharthi acaba por denunciar as agressões aos direitos humanos. As privações são evidentes e os castigos por tortura são generalizados nas instituições penais. A Primavera Árabe, desencadeada no ano de 2011, inspirou protestos em Omã por uma série de melhorias políticas e sociais, algumas das quais acabaram por ser acatadas. Uma delas foi a criação do Conselho Consultivo, cuja votação é aberta e permite, portanto, a atuação da sociedade civil. Apesar disso, as decisões tomadas dependem da aprovação superior. O país é rico em recursos como o petróleo e o gás natural, que constituem os pilares de sua economia, e a rede logística de Omã é composta, ainda, por grandes terminais portuários ao longo da costa. A sua história, porém, é longa. Importa lembrar que o antigo Imamado de Omã foi conquistado pelos portugueses, em 1508, mas, em 1659, os omanitas tomaram o território e expulsaram os portugueses. Iniciava-se a era de ouro do Sultanato, que expande as suas fronteiras e obtém várias colónias no Índico, que foram perdidas no colapso que o país sofreu, em 1891, quando passou a ser um protetorado britânico. Em 1971, porém, torna-se novamente independente. O chefe de Estado e do Governo é o sultão, que funciona como monarca absoluto. Em contraciclo, o ensino é interessante e acompanha o aparato das transformações do país em matéria económica e urbanística. Sem esperar, há uns anos recebi um convite da primeira universidade de Omã, aberta em 1986, com o desafio de fazer uma videoconferência sobre turismo. Trata-se da Universidade Sultan Qaboos, em Al Seeb, Mascate, a capital do país. A Faculdade de Economia e Ciências Políticas oferece cursos profissionais e de curta duração, no âmbito dos quais se realizou a videoconferência, no sentido de os alunos conhecerem mais sobre simulações do mundo real, estudos de casos e exercícios de aprendizagem experiencial. Eu sabia que o Sultanato é promovido como "uma terra de descobertas ilimitadas; um lugar de beleza natural, vida selvagem próspera e hospitalidade". E até "aventuras extremas" - "Somos respeitosos, gentis e prestativos, tanto para amigos como para estranhos, e o povo de Omã trata os visitantes como família". Claro que, neste contexto promocional que esquece uma parte da realidade, a planificação do turismo não deve alhear-se dessa parte sombria do país, ou seja, de o facto de muitas culturas terem hábitos e tradições que são atentatórios dos direitos humanos, sobretudo do mundo não-europeu ou europeizado, ou seja, a realidade contada em "Corpos Celestes", designadamente. Em Omã, há mulheres resignadas à espera de um outro futuro, quais damas da Lua, enquanto os homens passam o tempo em corridas de camelos.
Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.