Olivier Assayas não quer fazer cinema "chato"
Já há muitos anos que Olivier Assayas está interessado em desconstruir cinema de género. Depois da desmontagem do grande melodrama clássico em As Nuvens de Sils Maria (2014), regressa agora com o seu próprio "twist" de um filme de fantasmas. Em Personal Shopper temos o tratamento "art house" para o filme de terror. Resultado: em Cannes causou uma das divisões mais aguerridas entre críticos dos últimos tempos e seduziu o júri presidido por George Miller ao ponto de arrecadar o prémio de melhor realização.
"Nunca esperei esse tipo de divisão, quando faço filmes é para todos, embora nunca faça a mínima ideia de como os outros vão reagir aos meus trabalhos. O que posso dizer é que tento sempre fazer o meu melhor mas, quando estamos a lidar com o invisível e com o desconhecido, ficamos numa zona muito frágil. Todos nós temos uma relação íntima com o tema do sobrenatural. Seja como for, este é um filme tipicamente meu. Trata-se de uma obra que lida com o subconsciente. Em todos os meus filmes há sempre essa dimensão do invisível, só que neste caso quis tentar um flirt com este género para ver se resultava. Quis dar um passo mais além e usar elementos declarados do género do terror", conta.
Mais à frente da conversa reconhece que foi um risco grande, todo o porte de Personal Shopper: os seus silêncios, a sua ausência de pontas reconhecíveis, são uma pequena grande afronta ao espectador do próprio género do horror (inteligente o MOTELx que não teve preconceito em programá-lo o ano passado). Assayas reconhece o risco: "O cinema tem de ter sempre essa componente de aposta. Claro que é mais seguro estar sempre a fazer o mesmo filme, mas também é muito mais chato."
A questão é como toda esta insanidade nasceu. A história de uma assistente de uma celebridade que tenta entrar em contacto com o espírito do irmão falecido e acaba por se cruzar com um fantasma que comunica com mensagens escritas no telemóvel. Contado assim, Personal Shopper parece uma comédia tola quando, na verdade, é uma proposta que gela as veias, provavelmente um dos poucos filmes vistos nos últimos anos com genuína capacidade para arrepiar.
[youtube:pwCU9_9jFfk]
O realizador francês revela a sua inspiração: "Interessava-me contar a história de uma personagem moderna que está dividida entre uma existência aborrecida e muito materialista e os seus desejos abstratos. Quis fazer um filme sobre a tensão do mundo moderno com o que está escondido nas nossas vidas interiores e que pode querer dizer algo mais elevado. Enfim, quis mostrar alguém com um trabalho estúpido mas, ao mesmo tempo, com uma vida interior interessante que depois cresce com uma ligação com um fantasma."
O mundo espiritual de Assayas finta as possibilidades de referências a outras histórias de fantasmas. O que o cineasta tenta filmar é um mistério íntimo, quase sem justificações psicológicas. Mas a sua heroína, a americana personal shopper, pode viver numa fantasia lúdica como num realismo extremo. E aqui os fantasmas não chegam com efeitos visuais. Sobre esse aspeto, tem uma teoria: "A questão aqui era como mostrar o que está do outro lado do espelho. Será algo benevolente ou assustador? Sinto que há uma diferença de como os americanos e nós, europeus, olhamos para este ponto. A visão dos americanos para todas estas questões está definida pelo seu historial protestante que pressupõe o seguinte: o que não vês é mau ou a personificação do mal. Por outro lado, a perspetiva europeia sobre o que está do outro lado do espelho acredita na possibilidade de ser algo positivo ou ambivalente. Confesso, isso interessava-me mais. Queria que a personagem da Kristen Stewart estivesse dividida, que não soubesse se aquela entidade era boa ou má."
Goste-se ou não, adira-se ou não a esta charada metafísica, haverá sempre Kristen Stewart, aqui com o grande papel da sua carreira até agora. E, como se sabe, as atrizes, os atores, são sempre essenciais no cinema de Assayas: "Faço cinema para os atores, escrevo a pensar neles. Amo atores. Se às vezes podem ser complicados? Não creio! Os atores apenas são difíceis quando nós, realizadores, não os respeitamos... Nunca tive nenhuma relação complicada com um ator!"