Oliver Stone
Ver este W. agora potencia um olhar mais corrosivo no espectador?
Não fiz este filme para ser visto numa altura específica. Fiz este filme para o futuro. Creio que concebi um testemunho de uma época interessantíssima, que mudou a nossa história. Este tipo, George W. Bush, contribuiu para essa mudança histórica. Ele é um homem que conseguiu mudar a América só com o seu carisma de vaqueiro. Bush mudou a América da mesma maneira que Napoleão Bonaparte mudou a França. A sua importância não é de subestimar. W. era um filme que tinha de ser feito. É uma obra urgente, que pergunta se aprendemos a lição. Quis fazer um filme sobre o Vietname logo a seguir à guerra. Não o consegui, tive de esperar muitos anos. Agora não quis desperdiçar a oportunidade… George W. Bush é uma personagem perigosa e as pessoas pensam que com a eleição de Obama ele já é passado. Enganam-se! As suas políticas continuam. E deixou guerras e uma economia devastada, já para não falar que deixou de rastos o conceito da América. Não é brincadeira. Se pensam que Obama vai limpar esta memória, enganam-se! Ele apenas pode mudar a direcção… Bush impôs a mentalidade cowboy saloia e racista. Tentei mostrar isso no filme. W. é sobre aquilo que aquele homem representa e até que ponto é tão estúpido.
Este George W. Bush também tem o chamado «lado humano»…
O que Bush tem é astúcia. Trata-se de um homem arrogante, com um ego enorme. Uma coisa positiva: tem bom instinto para a linguagem corporal. O que me faz rir nele é a sua falta de curiosidade. Nunca duvida das suas ideias, jamais mudou um discurso. Em jovem também nunca estudou. O que fez foi pegar nas ideias do pai e torná-las mais fortes e extremistas.
Ao fazer o filme ficou a saber algo dele que o tenha surpreendido?
Dele apenas convém dizer que é um idiota. Intelectualmente é um idiota! Cada vez que fala percebe-se que não tem a mínima pista sobre o que está a falar. Cada vez que o observávamos a discursar ficávamos com a sensação de que estava a ler as palavras. E não era um bom leitor. Terei saudades daqueles discursos hilariantes. Nesse sentido, era hilariante. Para a comédia tinha jeito, mas não quis seguir esse lado no filme. Quis mostrar alguém que não sabia como governar o mundo. Bush não estava preparado para o cargo.
É verdade que o actor Josh Brolin ficou surpreendido com algumas coisas da vida do homem que representou?
Ele ficou a conhecer bem a vida de Bush. Josh ficou dentro de Bush e há algo nele que os aproxima. Muitos americanos identificaram-se com alguma característica daquele homem. Presumo que seja o elemento de duro, o elemento… John Wayne. A diferença é que Josh ainda gosta mais de sarilhos do que Bush…
Acha que Bush terá visto o filme em segredo?
Não creio que ele alguma vez o queira ver. Não vai gostar de se ver velho e deprimido. Depois, há ainda a questão da relação com o pai. E imagino o quão penoso para ele seria ver tudo o que é embaraçoso.
Obviamente este filme nunca poderia ser feito por um grande estúdio de Hollywood…
Cada vez é mais difícil. Conseguimos fazer o filme com dinheiro vindo de fora. China, Austrália, Alemanha e França foram os principais investidores e ainda bem! W. é bom, estou muito orgulhoso.
Teve de filmar em contra-relógio. Esse factor transforma a sua arte?
Se transforma! Foi tudo feito a correr! Se tivéssemos filmado material a mais o atraso na conclusão seria na mesa de montagem. Quis escolhas claras. Tive sete semanas de edição para 46 dias de rodagem. Caramba, isso é muito rápido! Ensaiámos, preparámos tudo e ainda fizemos reescrita do argumento. Todos os actores chegaram à rodagem muito preparados. Eram actores muito bons, foram todos muito profissionais. Sabiam o que estavam ali a fazer.
Confirma que Christian Bale, da nova vida de Batman, esteve para ser Bush?
Pensávamos que ele poderia ficar parecido com a maquilhagem – não resultou! Fizemos muitos testes. Naquela altura, estreou o Este País Não É para Velhos e Josh Brolin ficou a soar como a melhor escolha. Na verdade, Josh foi perfeito. Para além de que é muito mais americano de que o Bale. É também mais cowboy.
Porque não quis deliberadamente focar a questão da contagem de votos na Florida?
Sei que foi eleito dessa maneira errada e batoteira, mas não é isso que considero crucial no percurso de Bush. Nesse período, ele esteve muito passivo. Foram os republicanos que trataram de tudo. Há uma altura no filme em que ele quer provar que quem duvidava de que ele fosse o presidente legítimo ainda iria arrepender-se... A sua justificação foi lançar guerra no Iraque. Mas só tinha duas horas para contar a sua história. Era preciso não ir por atalhos. O que é mais primordial é relatar o seu mandato. E o mais importante desse mandato foi a decisão de invadir o Iraque.
Depois de ter realizado Nixon, como é que viu o filme, ou a peça, Frost/Nixon?
Não vi o filme mas achei a peça brilhante! Achei sensacional o actor, Frank Langella, mas Anthony Hopkins no meu filme também é muito bom. São ambos titãs.
O seu Nixon é mais operático.
Isso depende das opiniões.
Neste W. parece estar mais contido, mas ainda gosta de manipular o espectador?
Não particularmente. O que gosto é de filmes poderosos. Nunca penso muito naquilo que o espectador sente. Não sei como o público pensa.
Como está a sua relação com os críticos?
Quando os críticos escrevem com amor ao cinema tudo fica mais claro. Quando escrevem com malícia… já não resulta.
Os seus fãs mais acérrimos terão protestado por terem detectado um certo tom brando em relação à figura de George W. Bush.
Não acho que tenha sido mole. Apresentei os factos, se tivesse feito um documento de ódio era como bater no ceguinho. O tempo falará em prol deste filme. Se há empatia em relação à figura era apenas para que sentíssemos o que era estar no seu lugar. Bush é um homem com uma história própria, alguém que sofreu com o pai. Há algo de trágico e meio heróico na sua tentativa de se destacar. Bush é, acima de tudo, um filho pródigo que regressa de forma errada.
Como encara esta nova onda de patriotismo norte-americano?
Nunca podemos estar orgulhosos de sermos orgulhosos. Só podemos ser orgulhosos da inteligência. Vivemos num mundo pequeno e só descobrimos isso agora. Resta-nos aprender a sermos todos amigos uns dos outros. O patriotismo já não serve para nada. O que conta nestes dias é termos uma noção saudável de nação, família e comunidade. Quando somos patriotas à custa da destruição do planeta é um erro. Diria que o patriotismo é o último refúgio dos trafulhas, tal como disse Benjamin Franklin.
Por que razão, enquanto soldado, pediu para ir para a frente de batalha no Vietname?
Outros tempos, outro lugar. Era um pouco John McCain… Tinha de ter aquela experiência. Depois, tornei-me outra pessoa. Teria sido muito útil a Bush ter combatido numa guerra. Acho que pensaria duas vezes antes de tomar a decisão de envolver os EUA numa guerra.