Oliver Stone (e Gordon Gekko) contra Wall Street

Oliver Stone assina a parte 2 de 'Wall Street' mesmo a coincidir com a crise, e o  "tubarão" de Michael Douglas regenerou-se <br />
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No início deste mês, Michael Douglas fez um intervalo nas suas tarefas no cinema e rumou a Hong Kong, para discursar no fórum anual de investidores da CLSA, o maior grupo independente de corretagem e investimentos da região Ásia-Pacífico.

Mais de 20 anos depois de ter interpretado a figura do implacável raider de empresas Gordon Gekko em Wall Street, de Oliver Stone (1987), onde proclamava o credo da década de 80, "A ganância é boa", Michael Douglas ainda é associado à figura de Gekko e recebe convites do mundo da finança à conta da personagem.

Toda a gente gosta de vilões coloridos, e se esses vilões não têm papas na língua melhor ainda. Não admira que, durante muito tempo depois da estreia de Wall Street, Douglas fosse regularmente abordado, em restaurantes e na rua, por pessoas que o cumprimentavam e lhe agradeciam por os ter "inspirado" com a figura de Gordon Gekko. O mesmo sucedeu a Oliver Stone, a quem muitos se dirigiram agradecendo-lhe terem decidido "fazer carreira" na finança por causa de Wall Street.

O filme que Stone concebera como um conto moral e um aviso contra a cultura cega da ganância que dominava Wall Street tinha também tido um efeito oposto, e transformado Gekko numa figura--modelo para aqueles que representava pela negativa.

Mas o Gordon Gekko que reaparece em Wall Street 2: O Dinheiro Nunca Dorme (estreia-se amanhã), depois de ter expiado a sua pena de prisão, é uma palidíssima e enrugada sombra do "senhor do universo" que comprava e devorava empresas no filme original.

Sem dinheiro, sem emprego, sem amigos, sem poder e sem a arrogância de outrora, Gekko sai da sua cela para o século XXI transformado num anacronismo. Os raiders de empresas que corporizava foram tornados obsoletos pela vertiginosa globalização económico-financeira.

Quem agora controla o jogo do dinheiro são as grandes instituições financeiras, e já não há lugar para os flibusteiros individualistas. O grande insider virou outsider. E também virou o bico ao prego, porque agora sobrevive a escrever e a falar contra o mundo a que outrora pertenceu.

É verdade: em Wall Street 2: O Dinheiro Nunca Dorme, Gordon Gekko fez uma exame de consciência enquanto estava no xilindró e execra a ideologia da ganância escancarada que o perdeu. O antigo predador da selva financeira é agora um pregador da ética.

Oliver Stone, ele próprio filho de um corretor da "velha escola", teve em Wall Street um dos seus grandes sucessos comerciais, críticos e de prémios (Óscar e Globo de Ouro de Melhor Actor para Michael Douglas, entre outros), mas recusou rodar uma continuação pelo menos duas vezes. O filme contaria o que sucedeu a Gordon Gekko após os acontecimentos que o levaram à prisão.

Mesmo sem Stone, o projecto de Wall Street 2 arrepiou caminho, pela mão do produtor Edward R. Pressman, também ligado ao primeiro filme, e do argumentista Allan Loeb, que conhece Wall Street por dentro por ter experiência de corretagem.

Foi depois da crise de 2008 e do colapso do Lehman Brothers que Oliver Stone percebeu que era a altura ideal para regressar ao mundo da finança. E encontrou-o completamente mudado. "Em 2008, os Gordon Gekkos já não eram possíveis", disse o realizador. "Essa personagem, essa espécie de bucaneiro, tinha agora desaparecido, substituída por instituições que tinham estado submetidas a regulação. No passado, um banco era um banco, e uma companhia de seguros era uma companhia de seguros. Em 2008, tudo isso mudou. As barreiras de protecção entre estas funções foram destruídas pela desregulamentação dos anos 80 e 90 (...) O crash deu-se em 2008 e tornou tudo muito interessante, porque de repente vimos as falhas que havia no sistema." E, assim, "os números cresceram e cresceram, e os milhões de dólares tornaram-se milhares de milhões de dólares. E a ganância de Gordon Gekko foi engolida pela ganância dos bancos", explicou o realizador.

O filme abre em 2001, quando Gordon Gekko sai da cadeia, e dá depois um salto para 2008, para estar mesmo em cima do crash e dar razão às previsões de desgraça próxima feitas pelo ex-raider nas suas palestras. Entretanto, o dinheiro nunca dorme e não pára de circular pelo planeta, mesmo em plena crise económico-financeira. "E continua a não haver moral nenhuma", segundo Oliver Stone.

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