Olga, 'o pardal de Minsk', desfez-se das medalhas para sobreviver

Lenda soviética da ginástica artística, revelação de Munique 1972 (onde ganhou três medalhas de ouro), teve de leiloar o espólio desportivo para debelar dificuldades económicas
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O anúncio surgiu de surpresa, de forma tão inesperada como quando, há 45 anos, uma adolescente leve e graciosa pasmou o mundo e mudou para sempre a faceta da ginástica artística. Essa atleta, Olga Korbut, "o pardal de Minsk", teve de se desfazer das suas mais preciosas medalhas - incluindo três ouros olímpicos - para sobreviver. O leilão, realizado no fim-de-semana rendeu 173 mil euros à antiga lenda soviética, radicada nos EUA.

Korbut, bielorrussa de 61 anos, vive hoje bem longe da glória experimentada na década de 1970, quando se tornou numa das principais figuras dos Jogos Olímpicos de Munique (1972), onde conquistou três medalhas de ouro (provas de equipas, trave e solo) e uma de prata (barras assimétricas). A braços com graves dificuldades financeiras - e depois de terem surgido relatos de que foi despejada de casa, apanhada a usar notas contrafeitas e a roubar num supermercado -, a antiga ginasta soviética decidiu vender um lote de 32 items do seu vasto espólio desportivo. O leilão, promovido pela Heritage Auctions, uma empresa dos EUA, rendeu 217 mil euros - 173 mil para a ex-atleta, depois de descontada a comissão da leiloeira.

Com fatos de competição, três das medalhas de Munique 1972 (o ouro de trave tinha sido roubado à atleta), mais duas de Montreal 1976 (ouro na prova de equipas, prata na trave), múltiplos prémios de campeonatos soviéticos e mundiais e uma distinção de Desportista do Ano de 1972 para a BBC, o espólio levado a leilão espelhava bem a importância da atleta. Afinal, como referia o comunicado da Heritage Auctions, Olga Korbut foi a adolescente que, "sozinha, derrubou o estereótipo do atleta soviético como um autómato de pedra". E, hoje, "dificilmente existe uma ginasta viva que não a veja como a responsável pela a explosão de popularidade do desporto a nível global".

O palco dessa explosão foi Munique (Alemanha). Ao lado do norte-americano Mark Spitz (sete medalhas de ouro na natação) e do finlandês Lasse Virén (ouro nas provas de atletismo de 5000 e 10000 metros) - vultos cujas façanhas foram eclipsadas, décadas mais tarde, por Michael Phelps e Mo Farah - a ginasta da União Soviética converteu-se numa das principais figuras dos Jogos Olímpicos de 1972, em plena época da Guerra Fria.

Leve e esguia (pesava 38 quilos e media 1,50 metros), Olga Korbut, então uma adolescente de 17 anos praticamente desconhecida, surpreendeu o mundo com o desempenho, que incluiu a conquista de três medalhas de ouro, um inédito salto mortal de costas na trave e o patentear do Korbut flip, um salto mortal nas barras assimétricas, entretanto proibido devido à sua perigosidade.

Tamanha graciosidade gerou o epíteto de "pardal de Minsk" e lançou uma nova era na ginástica artística, com atletas cada vez mais novas, leves e esquias. No entanto, a partir de Montreal 1976, a estrela de Korbut empalideceu - ao mesmo tempo que se apresentava ao mundo a maior lenda da história da ginástica artística, Nadia Comaneci. E a sua retirada da competição não tardou (ocorreu em 1977). Seguiu-se o casamento com Leonid Bortkevich, um conhecido cantor de folk soviético, o nascimento do filho Richard, o lançamento da carreira de treinadora e a emigração para os EUA, em 1991, após a dissolução da União Soviética.

Então, Olga Korbut vivia angustiada com os potenciais efeitos da radiação libertada pelo acidente nuclear de Chernobyl (que fica a pouco mais de 400 quilómetros de Minsk, capital da Bielorrússia) - sofria de fadiga crónica e problemas de tiroide -, tendo-se tornado ativista em defesas das vítimas da tragédia na cidade ucraniana. No entanto, o sonho americano não foi como a treinadora - que se fixou no Arizona, onde chegou a ter o seu próprio ginásio - desejava . E os problemas financeiros ter-se-ão agravado após o divórcio entre a antiga ginasta e Leonid Bortkevich.

"Medalhas salvaram Korbut da fome" titulou até o jornal russo Gazeta, fazendo ecoar os efeitos do leilão do passado fim-de-semana pela imprensa internacional. Ao ouvi-los, o mundo da ginástica artística voltou a abrir a boca de espanto, 45 anos depois.

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