Por um diagnóstico de cancro, que afinal não tinha, um homem submeteu-se a uma cirurgia para retirar a próstata. E para salvar uma vida que afinal não estava em perigo acabou com problemas crónicos que vão da impotência à incontinência. Este caso está na origem de uma sentença judicial inédita em Portugal, que deu como provado um erro médico, recorrendo a uma análise genética de material biológico até agora considerada impossível. Oito anos depois do erro de diagnóstico, um patologista português de maior renome, José Cortez Pimentel, foi condenado a pagar perto de cem mil euros a Roberto Berger..O caso começou em 1998, quando Roberto Berger, então com 59 anos, se submeteu a prostectomia total para retirar a próstata que, de acordo com o diagnóstico de José Manuel Cortez Pimentel, tinha um adenocarcinoma, ou seja, cancro. Na análise pós-operação efectuada à glândula, não foi, contudo, detectada presença de tecido cancerígeno. E então começou a luta do paciente para provar que houve erro médico..Ao fim de oito anos, o Tribunal Cível de Lisboa deu razão a Roberto Berger, dando como provado que o diagnóstico do réu estava errado, apesar das alegações do mesmo de que as lâminas, com os filamentos retirados por biopsia a Roberto Berger, tinham tecido cancerígeno. Para tentar provar a sua alegação, Cortez Pimentel apresentou em tribunal, primeiro, pareceres de outros peritos que, perante uma foto, garantiram que os tecidos tinham cancro. Mais tarde, quando o réu foi obrigado a apresentar em tribunal a lâmina da biopsia, os mesmos peritos afirmaram então que foto por eles observada não correspondia à lâmina que foi apresentada..Contudo, também a lâmina tinha alguns vestígios de tecido cancerígeno. Roberto Berger percebeu então que essa não era exactamente igual - como deveria ser - a outra cópia que tinha em seu poder (por, inicialmente, ter pensado em ser operado em França por um cirurgião que tinha solicitado esse material de análise). E era nos elementos estranhos e não coincidentes das lâminas que estava o tecido cancerígeno. .A estratégia seguinte da acusação foi tentar provar que os tecidos afectados não pertenciam ao paciente. Mas, explica este, "no Instituto Nacional de Medicina Legal disseram-me que o tratamento químico que é feito, para preservar o ma- terial biológico, bem como o facto de a lâmina ter poucas células complica muito a extracção de ADN". E aí entrou o papel decisivo do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto que, ao comparar os dois elementos, conseguiu provar que o tecido afectado não era geneticamente compatível com o do paciente..Neste ponto reside o carácter inédito deste caso judicial: é que a norma, até então, tinha sido a impossibilidade de provar nestes casos e condenar profissionais por erros médicos. Uma aparente impossibilidade que não impediu Roberto Berger. Em 2003, o paciente recorreu ao Ipatimup, que, no final desse ano, conseguiu demonstrar a contaminação da lâmina, que continha vestígios genéticos de pessoas diferentes. Foi, explica, a "prova irrefutável" que permitiu ao tribunal dar como provado os factos, condenando Cortez Pimentel numa sentença de que réu e autor recorreram, por causa do pagamento dos juros.