"Oferecemos ajuda aos familiares dos detidos portugueses na Venezuela"
Gravamos esta entrevista num intervalo do primeiro encontro de investidores na diáspora que visa atingir os mercados da saudade. O que se pretende com este encontro?
Este encontro visa criar uma plataforma de diálogo que é aquilo que a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas tem por missão fazer, ou seja, nós temos um papel de articulador. Para desenvolvermos essa função de articulador com vários membros do governo, nós necessitamos do espírito de cooperação que tem sido inexcedível da parte dos meus colegas porque as questões que se nos colocam nos postos consulares e diplomáticos são questões que depois dependem da boa resolução dos membros do governo, sejam questões ligadas à mobilidade de trabalhadores ou à mobilidade das empresas que naturalmente interferem com a área dos assuntos fiscais ou a área da segurança social. São questões ligadas à internacionalização da economia ou às intenções de investimento dos portugueses em Portugal e portanto envolvem quer AICEP, IAPMEI, indústria ou o próprio Turismo de Portugal.
Esta iniciativa surge depois de longos meses de trabalho que passou nomeadamente pelo reforço das competências do gabinete de apoio ao investidor na diáspora. Já há resultados concretos desse esforço?
Entre abril e outubro de 2016 identificámos 6800 empresas de portugueses nas comunidades portuguesas de 38 países do mundo, conseguimos identificar e acompanhar intenções de investimento que foram direcionadas para a AICEP, para o IAPMEI ou para algumas autarquias num valor de cerca de cem milhões de euros. Nas intenções de investimento, naquilo que é o grosso da atividade dos portugueses no mundo, estão naturalmente o setor agroalimentar, o setor do turismo e da restauração, o setor das novas tecnologias da informação e da comunicação, as áreas do medicamento e as áreas da saúde e, cada vez mais, as áreas relacionadas com as universidades e os centros de investigação e politécnicos do país que atraem estudantes e investigadores vindos de várias partes do mundo, porque aqui encontram um conhecimento de excelência que não encontram em muitas outras partes do mundo.
Para que este trabalho possa ser desenvolvido é necessário um retrato o mais próximo possível da realidade que for possível fazer. Com os portugueses que emigram recentemente - muitos deles nem sequer se inscrevem nos consulados quando partem -, nós sabemos quantos emigrantes temos no exterior?
Os dados do Instituto Nacional de Estatística apontam para uma saída do país estimada em cerca de 500 mil pessoas, entre 2011 e na transição de 2014 para 2015, mas há uma característica nestas saídas de 500 mil que é a seguinte: 200 mil destas pessoas regressaram ao país em período inferior a um ano. Estes números mostram-nos que há um número cada vez mais significativo de portugueses que desenvolvem atividades, que fazem investimentos, que estão em mobilidade, embora mantendo sempre a plataforma do seu país de origem.
Não são verdadeiramente emigrantes?
Podem considerar-se cidadãos em mobilidade por razões diversas, por razões profissionais, por razões de estudos, por razões de investigação, por razões de turismo e para essa realidade nós estamos a desenvolver duas aplicações. Uma delas é uma aplicação de ensino de português à distância para que as famílias que levam filhos em idade escolar possam manter um contacto com o ensino da língua portuguesa enquanto língua de herança. Se tudo correr como previsto lançaremos essa plataforma em janeiro, porque se trata de uma parceria entre o Instituto Camões e também a Porto Editora e que vai disponibilizar online um conjunto de conteúdos, os mesmos conteúdos que a nossa escola pública disponibiliza cá aos alunos do primeiro ciclo. Ao mesmo tempo, teremos condições para que, à distância e no regime de tutoria, se possa esclarecer, se possa realizar provas, por forma a que estes alunos possam ver simultaneamente o seu ensino e os seus conhecimentos da língua portuguesa avaliados e objeto de certificação. A segunda aplicação tem que ver com questões de segurança e é um apelo que gostaria de fazer, aproveitando esta oportunidade. Passa pelo desenvolvimento de uma solução tecnológica que vai estar integrada no gabinete de emergência consular e que permitirá que todos aqueles que saírem do país, por razões diversas e sendo essa a sua vontade, se possam inscrever numa plataforma tecnológica por via do uso do seu telemóvel, por forma a que perante um acontecimento extraordinário nós possamos mobilizar o apoio do Estado português no contacto com as autoridades de proteção civil, com as autoridades policiais dos países de acolhimento.
Em relação ao Reino Unido, tem surgido neste ano, de forma muito clara, um problema que envolve famílias portuguesas . Há 154 menores portugueses que estão sinalizados pelas autoridades britânicas, 20 foram encaminhados para adoção. Que evolução é que tem tido este dossiê e o que é tem feito o governo português para ajudar estas famílias?
Esta questão é muito sensível, é sensível no Reino Unido e é sensível em Portugal, em todos os países. A questão da adoção é uma das matérias mais sensíveis e de maior melindre social, daí que a abordagem desta questão deva ser sempre feita com muito rigor, porque tem muito que ver com a própria condição de vida íntima das próprias famílias. Nós conseguimos identificar 154 casos, como foi referido, de portugueses que entre janeiro de 2014 e outubro de 2016 tinham sido sinalizados pelas autoridades britânicas. A primeira questão que nós procurámos esclarecer foi se haveria aqui alguma tendência para ter um tratamento desigual em relação às famílias portuguesas.
E a resposta foi?
A resposta é de que não há um tratamento desigual em relação às famílias portuguesas, porque os números são muito claros. Há 80 mil crianças, adolescentes e jovens institucionalizados no Reino Unido, 50 mil que foram para adoção e portanto, no conjunto estimado de 500 mil portugueses, nós temos 154 casos.
Entretanto, neste meio tempo, a embaixadora do Reino Unido em Portugal foi chamada ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Que tipo de garantias é que queria obter?
As autoridades britânicas fizeram questão de reiterar o cumprimento de todas as convenções internacionais relativamente à adoção e devo também dizer que houve um contacto com o responsável por uma plataforma de advogados que disponibilizaram um apoio a essa comunidade. Deixaram-nos ficar dois contactos de dois advogados no Reino Unido. Contactámos um desses advogados que nos transmitiu formalmente que da apreciação dos vários processos que pôde fazer verificou que as autoridades britânicas cumprem os procedimentos legais relativos à promoção e defesa da tutela de menores. Contudo, queria dizer que nós não temos ainda esse processo de avaliação concluído, estamos a desenvolver um diálogo com o Ministério da Justiça e com a Inclusão e também a com a representante nacional na rede judiciária europeia, por forma a procurar validar todos os procedimentos, porque, para além das questões formais há, para nós, aqui uma questão de consciência. De forma alguma, nós podemos chegar ao fim de um processo desta natureza e por alguma razão, não ficarmos tranquilos em relação às decisões oficiais que são tomadas e se alguma falha for detetada ela não deixará de ser colocada às autoridades britânicas por parte do Estado português.
Na Venezuela, que é um país que vive tempos muito atribulados, há uma grande comunidade portuguesa. Foram muitos os portugueses que manifestaram intenção de regressar ao fim deste tempo todo ao país de origem, a Portugal? Como está a questão dos portugueses, que são vistos como presos políticos, já que estão acusados de terrorismo, mas não são julgados?
A primeira garantia que queria deixar é de que a maioria dos portugueses com que pude falar na minha deslocação à Venezuela, neste caso em Caracas, Maracay e Valencia, onde temos serviços consulares, foi a garantia de que eles querem manter-se no país, ou seja, eles têm as suas vidas constituídas nesse país, aí fizeram os seus investimentos, aí têm as suas famílias, aí têm as suas instituições. Há, aliás, instituições que é raro encontrar em outras partes do mundo. Instituições fantásticas do ponto de vista cultural, recreativo, desportivo, humanitário. Eu diria que os portugueses são talvez das primeiras, das mais importantes comunidades em tudo o que tem que ver com o comércio e com a distribuição, mas estão também em setores mais importantes do ponto de vista industrial do país e a sua grande vontade é manter-se no país, portanto.
Mas aumentaram as saídas?
Os fluxos que temos em direção a Portugal até final de julho deste ano, dados que me são fornecidos, nomeadamente por aqueles que garantem o transporte aéreo, não permitem concluir por uma saída abrupta dos portugueses da Venezuela. O que acontece efetivamente, e aquilo que nós podemos testemunhar, é que há filhos de classe média, classe média-alta, que não encontrando oportunidades de emprego, oportunidades de trabalho, oportunidades de investimento na Venezuela, procuram essas oportunidades, nomeadamente nos Estados Unidos e também em muitos países da América Latina como é o caso da própria Colômbia.
Eu pedia-lhe também uma resposta para esta questão da denúncia de que há presos políticos na Venezuela que são lusodescendentes e que há políticos portugueses e europeus a mostrar preocupação nesta matéria.
Os serviços do Ministério dos Negócios Estrangeiros acabaram de transmitir uma resposta aos deputados europeus que solicitaram esclarecimentos e os serviços consulares e diplomáticos portugueses manifestaram, como aliás manifestaram aos próprios e às suas famílias, total disponibilidade para acompanhar esses cidadãos, procurando garantir que a administração da Justiça venezuelana se faz em relação a estes portugueses, procurando garantir princípios fundamentais dos Estados de direito democrático.
Mas fizeram já um contacto com as autoridades venezuelanas a tentar perceber o que é que há de veracidade aqui quanto ao facto de serem presos políticos?
Essa terminologia é uma terminologia que tem um conteúdo que carece da devida fundamentação e não temos tempo para entrar nessa investigação.
Por isso é que eu lhe pergunto se procuraram junto das autoridades venezuelanas esclarecer as circunstâncias destas detenções.
Há muito tempo que nós acompanhamos a situação de todos os detidos e reclusos, infelizmente são ainda muitos. Temos mais de dois mil reclusos portugueses em todo mundo e os detidos na Venezuela são acompanhados de forma detalhada pelos serviços consulares. Aliás, queria transmitir esta mensagem que muitos não têm conhecimento daquilo que lhes vou transmitir. Todos os dias, da nossa divisão de emigração e de apoio consular, saem medicamentos, roupas que as próprias famílias fazem chegar aos seus familiares, reclusos em todo o mundo, e diria que diariamente funcionários dos nossos serviços consulares acompanham as diligências que são feitas por estes cidadãos nacionais, procurando garantir e reportando para o próprio país, para Portugal, em circulação naturalmente reservada, mas reportando ao país o modo e os termos em que a Justiça é administrada nesses países.