Ofélia está agora mais perto do seu "Nininho" Pessoa

Sabia de cor todas as cartas que o poeta lhe escreveu. Os restos mortais de Ofélia Queiroz foram trasladados para junto da família dele
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Ainda que Ofélia Queiroz não tivesse feito mais nada com a sua vida, seria, ainda assim, aquela que fez um dos maiores poetas da língua portuguesa referir-se a si mesmo como "Nininho" - que "é pequinininho!" - ou a ela como "Bébézinho". Foi aquela que arrancou ao autor da Mensagem ou do Livro do Desassossego "Jinhos, jinhos e mais jinhos". E por isso - e porque era Dia de São Valentim -, os restos mortais dessa eterna namorada de Fernando Pessoa foram trasladados nesta semana para o Cemitério dos Prazeres, em Lisboa, onde ontem foram celebrados. É ali também que jazem os familiares do poeta e onde o seu corpo esteve, antes de ser transladado para o Mosteiro dos Jerónimos, em 1985.

Na intenção de a pôr a ela, que morreu em 1991 aos 91 anos, próxima de Pessoa - e perante a impossibilidade de a fazer entrar nos Jerónimos -, aquele era o sítio. Os seus restos mortais foram trasladados nesta semana - exumados no cemitério do Alto de São João em 2014 - para os Prazeres. Às 14.00 de ontem, quando o sacerdote José Tolentino Mendonça celebrava a missa evocando "uma das mais belas histórias de namorados", Ofélia e Fernando, "duas pessoas que parecem não ser deste mundo", começava a homenagem, promovida pela Câmara Municipal de Lisboa, à rapariga que, aos 19 anos respondeu a um anúncio de emprego no jornal. Aquele que a levaria ao escritório onde conheceu Fernando Pessoa, de quem se sonhou noiva e com quem trocou uma das correspondências mais lembradas quando de cartas de amor se trata.

[citacao:Falava de Fernando como se ele tivesse ido ali ao lado comprar um maço de tabaco]

Namoraram, acabaram, tornaram a namorar e a acabar. Três anos depois da morte do poeta, Ofélia casou com Augusto Eduardo Soares. "Penso que a Ofélia amava mesmo Fernando Pessoa. Ele queria amar. Tentou duas vezes. Mas não conseguia entregar-se", diz Richard Zenith, editor e tradutor do poeta português, debaixo de um guarda-chuva. Visitávamos a sepultura do avô paterno de Pessoa e o jazigo dos seus avós maternos. Já a atriz e deputada Inês de Medeiros lera um texto de Eduardo Lourenço; já Manuela Parreira, autora de Cartas de Amor de Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz lembrava as memórias de quem dizia que Ofélia falava "de Fernando como se ele tivesse ido ali ao lado comprar um maço de tabaco".

31 de maio de 1920. De Fernando. "Venho só quevê pâ dizê ó Bébézinho que gostei muito da catinha d"ella. Oh! E tambem tive munta pena de não tá ó pé do Bébé pâ le dá jinhos." Foram cartas como estas que os atores Inês de Medeiros e Pedro Górgia leram, ainda na Capela dos Prazeres. Uma amostra de uma correspondência que conta, entre cartas, postais e bilhetes, 348 documentos.

A sobrinha de Ofélia e o sobrinho de Fernando estavam sentados lado a lado. Graça Queiroz e Luís Miguel Rosa Dias. A sobrinha-neta da eterna namorada de Pessoa, e filha de Carlos Queiroz, de quem o poeta foi muito amigo, conta que a "tia Ofélia", "quando já tinha 90 anos, dizia de cor as cartas todas que recebeu dele, [que eram] 50 e tal. Sabia de cor todos os poemas que ele lhe dedicou. Tinha uma cabeça extraordinária..."

Quando lhe perguntamos pela possível estranheza de, tendo sido casada, ser agora transladada para o sítio associado à família de Pessoa, Graça Queiroz responde: "Faz imenso sentido que fique aqui, acho que ela ia adorar. Viveu até morrer como se ainda houvesse uma possibilidade de casarem". Ainda que, no fundo, "ela soube sempre, mesmo muito cedo, que ele era feito para outras coisas. Conta que "ela estava sempre a falar nele, estava sempre a contar a história. Sei-a de cor e salteado." E até Soares, com quem casou, "um homem fantástico que a adorava", "encarregava-se de a informar de tudo o que saia no jornal do Fernando Pessoa".

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