Oceanos: o potencial para a economia é ainda subestimado
"Os oceanos estão numa situação pior do que a maioria das pessoas pensa", foi desta forma que Tiago Pitta e Cunha, CEO da Fundação Oceano Azul deu o mote à discussão sobre a saúde e sustentabilidade dos oceanos. O ambientalista foi um os intervenientes do BNP Paribas Sustainable Future Forum (SFF) 2022, que decorreu em Lisboa, tendo como tema central global Navegando a Transição, discutindo de que forma podemos trabalhar no caminho de transição para atingir emissões líquidas zero antes de 2050.
O CEO da Fundação Oceano Azul acrescentou que nos últimos anos se tem dado muita atenção à diminuição da biomassa, fruto da sobrepesca (a par da pesca ilegal), hoje a poluição através dos plásticos tornou-se um problema muito mais mediático. "E hoje, claro, percebemos que o maior impacto nos oceanos são as alterações climáticas", e isto porque os oceanos não só são uma ferramenta importante de mitigação dessas alterações como são seriamente afetados por elas. Afinal trata-se de um recurso que já existe há milhares de anos e é responsável por "30% da biodiversidade".
Tiago Pitta e Cunha chamou ainda a atenção para um outro problema: a temperatura. Até recentemente pensava-se que a temperatura estava a subir nos trópicos e nas águas mais superficiais, mas as últimas descobertas científicas revelaram que, na verdade, todos os oceanos estão a aquecer. "É um problema global", constata o CEO da Fundação Oceano Azul, acrescentando que isso não só significa que o Ártico está a derreter, mas, também que a Antártica também já mostra sinais do mesmo. O que tem como consequência a subida das águas dos mares e, com isso, que, provavelmente, a maioria dos alimentos produzidos e rios como o Delta, no futuro estarão em zona submersas.
Isabel Ucha, CEO da Euronext Lisboa, por seu lado, abordou a importância do financiamento das empresas, na sua maioria PME, que trabalham a economia azul, acrescentado que a empresa trabalha com as Nações Unidas no sentido de criarem o standard dos bonds azuis. A executiva referiu ainda que estão a criar índices azuis, que selecionam empresas que trabalham a economia azul, que estão a investir nos oceanos e em atividades relacionadas com a água, a investir de uma forma sustentável. E são precisamente estes índices que "atrairão investimentos".
Questionado sobre o que todos podemos fazer para ajudar a salvar os oceanos Tiago Pitta e Cunha lembrou um dos motes da Fundação: não conseguiremos salvar os oceanos se não mudarmos a economia. Porque "a economia é a raiz de todos os problemas". E é por isso mesmo que a Fundação Oceano Azul, juntamente com a Fundação Gulbenkian, tem investido em empresas blue biotech por forma a acelerar o processo de transição para este novo cenário.
Questionado sobre quais as principais áreas onde se tem concretizado o investimento o CEO da Fundação Oceano Azul deu como exemplo (imediato) a descarbonização que, na sua opinião, será o filtro de todas as indústrias futuras. E isso será cada vez mais importante, à medida que a população mundial continua a crescer. Tiago Pitta e Cunha acredita que a biotech, ao conseguir sintetizar, em laboratório, todo um conjunto de materiais, vai ajudar o planeta, dado que assim não será preciso "recolhê-los" na natureza. E deu o exemplo da segurança alimentar, que, para funcionar, vai exigir que tenhamos muito mais proteínas originárias do mar do que temos hoje. Para alimentarmos a população expectável em 2050 "precisaremos de cerca de mais 30% de proteínas", sendo que se os formos buscar utilizando os meios tradicionais -- agricultura -- "não conseguiremos cumprir as metas definidas pelo Acordo de Paris". Isto porque, lembra o ambientalista, a Europa é um superpoder agrícola que também é um dos principais emissores de carbono. Por isso "precisamos de pensar em novas dietas, pensar em algas e bivalves e que podem ser uma grande fonte de proteína".
A grande questão quando se fala de economia azul é se haverá potencial suficiente para atrair investimentos. Sobre isso Isabel Ucha referiu que cerca de 10% das empresas listadas na Europa têm negócios diretamente relacionados com a economia azul. Mas ainda mais interessante, acrescenta a executiva é que entre junho de 2022 e fevereiro deste ano foram os dois anos mais ativos de IPOs e captação de capital na Europa -- cerca de três vezes mais do que nos 10 anos anteriores -- sendo que 30% do capital angariado estava relacionado com negócios direcionados ao oceano. Isto mostra que os investidores consideram que há negócios interessantes no mercado, relevantes para o futuro e com potencial. "Temos de perceber que hoje os investidores estão, cada vez mais, a selecionar os seus investimentos de acordo com critérios de sustentabilidade", constata Isabel Ucha, acrescentando que os oceanos são uma área crescente no mercado de capitais.
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