Oceanos. A última chamada para "mudar a maré"
Foi uma espécie de "última chamada" à preservação dos oceanos, antes que seja tarde demais. "Emergência oceânica", "toque a rebate", "colapso global", necessidade de "medidas drásticas" - fez-se de palavras fortes o primeiro dia da Conferência dos Oceanos, que decorre em Lisboa durante esta semana e da qual se espera um compromisso dos Estados-membros da ONU para garantir a proteção da hidrosfera. Um objetivo nada fácil, dado que a chamada Declaração de Lisboa, o texto final da conferência, tem de merecer consenso. Do secretário-geral das Nações Unidas aos presidentes dos dois países organizadores, Portugal e Quénia, o tom foi de pressão política para que a semana acabe com um acordo para proteger o maior dos ecossistemas do planeta.
Logo na abertura, António Guterres - num discurso que começou em português e acabou em suaíli, língua oficial do Quénia - foi o primeiro a fazer o diagnóstico: "Infelizmente, tomámos o oceano por garantido e agora vivemos numa emergência oceânica." Agora é preciso "que a maré mude", e Guterres deixou um desafio aos participantes para que se unam em torno de quatro recomendações. Em primeiro lugar, que todos invistam mais de forma sustentável ("mais financiamento de longo prazo"), de forma que se possa produzir "seis vezes mais alimentos no mar e 40 vezes mais energia". Em segundo, investir na proteção dos oceanos da poluição marinha e proteger os oceanos e as populações que deles dependem dos efeitos das alterações climáticas. Por último, o secretário-geral das Nações Unidas referiu que é preciso um compromisso para uma "cobertura plena" do sistema de alerta precoce para fenómenos atmosféricos extremos.
Mais tarde, em conferência de imprensa conjunta com Marcelo Rebelo de Sousa e o presidente queniano, Uhuru Kenyatta, Guterres puxou das memórias de infância, lembrando o "toque a rebate" dos sinos na aldeia dos avós, aplicando a mesma imagem à proteção dos mares, numa altura em que "ainda estamos a perder" esta batalha. É preciso que todos entrem nesta luta, defendeu Guterres, apelando às opiniões públicas para que pressionem os decisores políticos a agir. Uma intervenção em que deixou críticas ao "egoísmo" dos que "continuam a pensar que as águas internacionais são suas". "Mas as águas internacionais são nossas, de todos os países do mundo."
Já Marcelo Rebelo de Sousa destacou no discurso de abertura que esta conferência decorre "no lugar certo, na hora certa, com a abordagem certa e com o secretário-geral das Nações Unidas certo" - apenas um dos vários exemplos, ao longo do dia, do apoio das autoridades nacionais ao líder das Nações Unidas. Lembrando que "os poderes institucionais, os políticos passam", mas "os oceanos ficam", o Presidente da República defendeu que é preciso "recuperar o demasiado tempo perdido e dar uma oportunidade à esperança, uma vez mais, antes que seja tarde de mais". E avisou que a pandemia ou a guerra não podem servir de desculpa para deixar de agir.
Já António Costa subiu ao palco do Altice Arena ao final da manhã, na longa ronda de intervenções de chefes de Estado e de governo, para deixar quatro compromissos muito concretos de Portugal com a sustentabilidade dos oceanos. "Dispondo da maior diversidade marinha de toda a Europa, Portugal compromete-se a assegurar que 100% do seu espaço marinho sob soberania ou jurisdição portuguesa seja avaliado em bom estado ambiental" e a "classificar 30% das áreas marinhas" até 2030, prometeu o primeiro-ministro português, dando voz a uma medida que está inscrita na Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030. O líder do Executivo disse também querer "transformar a pesca nacional num dos setores mais sustentáveis e de baixo impacto a nível mundial, mantendo 100% dos stocks dentro dos limites biológicos sustentáveis".
No plano económico, Costa apontou como objetivo atingir os 10 gigawatts de capacidade até 2030 em energias renováveis oceânicas e comprometeu-se também com a duplicação do número de startups na área da economia azul e do número de projetos apoiados por fundos públicos. Medidas "concretas e vinculativas" que o Presidente da República viria avalizar mais tarde, destacando, sobretudo, o compromisso de ter 30% das áreas marinhas nacionais classificadas até ao final da década.
O presidente queniano - que, a par de Marcelo Rebelo de Sousa, presidiu à conferência, enquanto chefes de Estado dos países organizadores - apontou os oceanos como o "recurso mais subestimado da Terra", apesar de cobrirem 70% da superfície do planeta e deles dependerem, de forma direta, três mil milhões de pessoas. E a prova disso é que este é o mais "subfinanciado" dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU. Basta de "palavras vazias", diria mais tarde, "são necessárias ações." E o mesmo disse, num tom mais dramático, o primeiro-ministro das Fiji, Josaya Wiliame Katonivere, falando em representação de 16 Estados das ilhas do Pacífico particularmente visados pelas alterações climáticas e a poluição oceânica: "Quinhentos anos depois de Fernão de Magalhães nos ter denominado de povos do Pacífico, vimos aqui dizer que estamos a lutar pela nossa sobrevivência."
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