Obviamente faltam médicos em Portugal

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Na nossa última presença neste espaço afirmámos que Soluções precisam-se para a falta de professores.

Hoje o título poderia muito bem ser: Soluções precisam-se para a falta de médicos. A discussão é antiga, o problema conhecido, mas a sua resolução envolve demasiados intervenientes e poderes instalados para acreditarmos que será fácil ultrapassar o problema.

Em fevereiro de 2021, já aqui tínhamos questionado se o PRR poderia resolver as dificuldades da falta de médicos.

Voltamos hoje ao tema, por força dos acontecimentos da última semana. O fecho de diversos serviços de urgência de obstetrícia em pontos distintos do território parece indiciar um problema sistémico e não algo resultante de um pico de afluência a estes serviços. Consultadas as estatísticas disponibilizadas pelo Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos, na sua página web, ficamos a saber que existem em Portugal 66.614 médicos (dados de 31 de dezembro passado). Segundo a Pordata, em 2020 (dados mais recentes disponíveis) existiam nos hospitais do SNS 24.858, ou seja 37% dos médicos contabilizados pela Ordem.

De todos os médicos registados, 29.240 (44%) têm mais de 55 anos e 37.374, mais de 50 anos (56%). Partindo do princípio de que não houve alterações recentemente, estas são as idades em que os profissionais podem ser dispensados da totalidade do serviço de urgência (55 anos), ou do serviço de urgência noturno (50 anos).

Recorrendo à estatística podemos inferir que existirão nos hospitais do SNS, com menos de 50 anos e obrigados a cumprir serviço de urgência, 10.938 médicos.

Se quisermos analisar os dados para o fecho das urgências de obstetrícia e contabilizando o particular da mesma forma que o todo, podemos dizer que dos 1861 especialistas em ginecologia-obstetrícia registados na Ordem dos Médicos, 689 trabalham nos

CitaçãocitacaoHá capacidade instalada para formar mais especialistas e não temos dúvida de que é necessário que o setor público contrate mais. Também não temos dúvida de que o setor público precisa de pagar melhor.esquerda

hospitais do Estado e desses apenas 303 estão obrigados em pleno ao serviço de urgência.

Bem sabemos que neste caso a estatística não é uma linha reta, mas insistir-se que não há falta de médicos, que não há condições para formar mais especialistas e que, por isso, não se formam mais médicos, parece-nos uma análise irresponsável e, a médio prazo, catastrófica para o setor, que, o mesmo é dizer, para a saúde de todos nós.

Conhecemos propostas apresentadas por universidades para novos cursos de Medicina, que terão por certo preenchimento pleno com candidatos das mais elevadas classificações do ensino secundário; acreditamos, até, que provem ao país o contrário, que há capacidade instalada para formar mais especialistas e não temos dúvida de que é necessário que o setor público contrate mais. Também não temos dúvida de que o setor público precisa de pagar melhor e de garantir melhores condições de trabalho e de carreira para fidelizar estes profissionais.

Dois anos passados sobre um esforço hercúleo dos profissionais de saúde no combate à pandemia, seria desejável que o país sentisse que todos os envolvidos têm vontade de resolver um problema que tende a agudizar-se, sob pena de colocarmos em causa uma das maiores conquistas da democracia, o SNS.

Presidente do Instituto Politécnico de Coimbra

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