Obsessão da Argentina pelas Malvinas continua viva 40 anos após a guerra

As Falklands são um Território Ultramarino Britânico, mas Buenos Aires reclama há muito as ilhas, a 480 km da sua costa. A 2 de abril de 1982, em plena ditadura, lançou uma invasão.
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Quer seja nos livros escolares ou nas notas, pintada em murais, tatuada na pele ou até num artigo da Constituição, a reivindicação argentina sobre as ilhas Malvinas (Falklands) é uma obsessão nacional. 40 anos desde que, a 2 de abril de 1982, a Argentina lançou a invasão desastrosa do pequeno arquipélago no Atlântico Sul, de 12 mil quilómetros quadrados, Buenos Aires não mostra sinais de desistir da esperança de algum dia reivindicar estas ilhas, assim como a Geórgia do Sul e Sandwich do Sul.

"A recuperação desses territórios e o pleno exercício da soberania, respeitando o modo de vida dos seus habitantes e de acordo com os princípios do direito internacional, constituem um objetivo permanente e inalienável do povo argentino", diz a Constituição de 1994.

A 480 quilómetros da costa argentina, as ilhas rochosas varridas pelo vento são a casa de quase 3500 britânicos, alguns dos quais descendentes de famílias que estão ali há 10 gerações. Oficialmente, é um Território Ultramarino Britânico, mas a Argentina alega que as ilhas são suas. E onde quer que se viaje no país, há lembranças constantes dessa política estatal. Há cartazes que proclamam "Las Malvinas son Argentinas", usando o nome espanhol para as Falklands e reafirmando a sua posse. E murais que mostram o contorno das ilhas, muitas vezes pintado sob um céu do azul da bandeira argentina e com palavras como "voltaremos" ao lado - uma referência à crença argentina de que tiveram um dia uma colónia nas ilhas. Em muitas localidades, sinais de trânsito indicam a distância para as Falklands.

A cada 2 de abril, o dia que assinala o aniversário da invasão, as crianças em idade escolar cantam o hino oficial de 1941 que reclama as ilhas. "Quem nos fala aqui de esquecimento/De renúncia, de perdão?/Nenhum solo é mais amado/ Da pátria na extensão!", diz um dos versos. Por todo o país, estádios de futebol, cidades, centenas de ruas e até a nota de 50 pesos têm a indicação "Malvinas argentinas".

"A Argentina é um país complexo, com muitas falhas, são poucas as questões que unem as pessoas. As Malvinas são uma delas, tal como a seleção nacional", diz Edgardo Esteban, ex-combatente e diretor do Museu das Malvinas. Neste museu, criado em 2014, a narrativa nacionalista é alimentada para as futuras gerações. E não há menção à guerra, com o foco a ser a "unidade geológica", a "plataforma continental" ou na presença pioneira de cientistas argentinos na Antártica para impulsionar a reivindicação.

Numa sondagem de 2021 a cinco mil argentinos, mais de 81% disseram que o país deveria continuar a reclamar a soberania. Só 10% acham que deve parar. Para os restantes é indiferente. Cada governo argentino aplicou a política de Estado com variações, embora nenhum tenha conseguido iniciar negociações pela soberania.

A Argentina tem-se agarrado a uma resolução não-vinculativa de 1965 das Nações Unidas, que reconhece a disputa sobre a soberania, já desde 1830, e convida Buenos Aires e Londres a negociarem uma solução. Os argentinos têm tido menos entusiasmo em relação ao direito à autodeterminação reconhecido pela Carta da ONU - e que os habitantes das Falklands exerceram em 2013, quando 99,8% votaram para continuar a ser britânicos.

A Argentina procurou durante muito tempo alcançar as suas reivindicações por meios diplomáticos, mas isso foi dramaticamente abandonado pela ditadura militar na sua malfadada invasão de 1982. Na guerra morreram 649 militares argentinos e 255 britânicos. Depois da guerra, que acabou a 14 de junho com a rendição argentina a uma força expedicionária britânica, houve um período em que o tema ficou em segundo plano.

As relações diplomáticas e comerciais foram restabelecidas em 1989, enquanto os argentinos procuravam adotar uma política (mal-sucedida) de seduzir os kelpers, o nome pelo qual são conhecidos os habitantes da ilha. "Mas desde 1982 o discurso sobre as Malvinas ficou prisioneiro das cicatrizes da guerra", diz Esteban.

Os governos peronistas de Néstor e Cristina Kirchner (2003-2015) usaram o tema como um grito de guerra para angariar apoio, enquanto o liberal Mauricio Macri (2015-2019) mostrou menos interesse. Os Kirchner "foram muito duros na reivindicação bilateral e mesmo assim a relação comercial foi a melhor dos últimos 30 anos", afirma o cientista político Agustín Romero, autor de La Cuestión Malvinas: una hoja de ruta, sobre as ações políticas argentinas desde 1982. Com Macri, "embora a reclamação tenha diminuído em intensidade, o vínculo comercial deteriorou-se", referiu.

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