Obscurantismo e sobrevivência
Não há dúvidas nenhumas que as alterações climáticas são evidentes (R. Trigo, Climatólogo, Univ. Lisboa; D. Notícias, 29.07.2018). No entanto, os governantes (mundiais, nacionais e regionais) não só ignoram o fenómeno, como até o favorecem com decisões economicistas. Aliás, já Eça de Queiroz referia, nos finais do século XIX, a promiscuidade político-financeira, por exemplo nos Maias ("E como Carlos lembrava a Política, ocupação dos inúteis, Ega trovejou. A política! Isso tornara-se moralmente e fisicamente nojento, desde que o negócio atacara o constitucionalismo como uma filoxera! Os políticos hoje eram bonecos de engonços, que faziam gestos e tomavam atitudes porque dois ou três financeiros por traz lhes puxavam pelos cordéis..."). Talvez por ser uma obra politicamente tão inconveniente, foi, praticamente, retirada do Ensino Secundário.
Exemplo do obscurantismo e falta de ética dos políticos mundiais para com o Ambiente são os sucessivos falhanços das Cimeiras Internacionais sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente que se iniciaram há cerca de meio século.
Tudo começou em 1972 com a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, onde estiveram representantes de 113 países, que finalizou sem qualquer acordo global e unânime. Seguiu-se, em 1975, o Colóquio sobre Educação Ambiental, em Belgrado. Desta Cimeira resultou a designada "Carta de Belgrado" sobre educação ambiental. Em 1977, foi a Conferência de Tbilisi, que teve por base a Carta de Belgrado, com o propósito de contribuir decisivamente para o Programa Internacional de Educação Ambiental. Em 1979, realizou-se a "Primeira Cimeira Mundial do Clima", em Genebra, onde, pela primeira vez as alterações climáticas foram reconhecidas como um problema grave para o planeta. A cimeira lançou o Programa Mundial do Clima, mas com eficácia praticamente nula. Em 1985, na cidade austríaca de Villach, realizou-se uma Conferência Internacional sobre a concentração crescente de gases com efeito de estufa, tendo sido aprovada a primeira declaração prevendo aumentos da temperatura global no século XXI maiores do que em toda a história da Humanidade. Em 1988, é criado o "Intergovernmental Panel on Climate Change" (IPCC), um organismo sob a alçada da ONU, que recolhe estudos publicados e produz relatórios a partir do consenso científico existente. Este painel é aceite como a maior autoridade científica no que respeita às alterações climáticas. Em 1990, realizou-se a Segunda Conferência Mundial do Clima, em Genebra. Para além de avaliar a primeira década do Programa Mundial do Clima, produziu recomendações e um apelo para a acção global sobre alterações climáticas. Em 1992, teve lugar a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento do Rio de Janeiro, a ECO-92. Desta Cimeira resultaram, entre outras, a Convenção sobre Mudanças Climáticas, a Convenção sobre a Diversidade Biológica, a Declaração do Rio, a Declaração sobre Florestas e a Agenda XXI. Em 1995, realizou-se em Berlim a designada COP-1, "Primeira Conferência das Partes", que reconheceu que os mecanismos aprovados no Rio (ECO-92) não serviam o objectivo estabelecido e aprovaram o "Mandato de Berlim", que permitia às partes estabelecerem compromissos específicos. Seguiram-se-lhe, anualmente, sucessivas COPs. Em 1996, foi a COP-2, em Genebra; 1997 a COP-3, em Quioto, na qual foi efectuada a primeira revisão do documento do Rio, aprovada, por consenso, entre os 150 governos representados. Na COP-4 de Buenos Aires, em 1998, foi aprovado um documento a permitir um período transitório de dois anos para a implementação dos mecanismos aprovados em Quioto. Em 1999, na COP-5, em Bona, reforça o que fora estabelecido no Plano de Acção de Buenos Aires. Em 2000, depois do falhanço da COP-6, em Haia, as negociações prosseguiram em Bona, onde todos os países à excepção dos EUA (presente com estatuto de observador) acordaram os mecanismos para a implementação do Protocolo de Quioto. Segue-se-lhe, em 2001, a COP-7 de Marraquexe, onde foram aprovadas as regras estabelecidas no Protocolo de Quioto (Acordo de Marraquexe).. Em 2002, na COP-8, em Deli, onde foi aprovada uma declaração que apelava a prosseguir o trabalho feito e reforçava o apelo aos países desenvolvidos para transferirem tecnologia para os menos desenvolvidos. Entretanto, em 2002, realizou-se a Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio-10), em Joanesburgo, que teve como objectivo reavaliar e implementar as conclusões e directrizes acordadas na conferência Rio-92 e aprovar directrizes relacionadas com as mudanças climáticas e o crescimento da pobreza, de forma a alcançar um desenvolvimento sustentável. Em 2003, seguiu-se a COP-9, em Milão, onde foram aprovadas algumas recomendações e alterações aos dois fundos financeiros criados na COP-7 em Marraquexe. Em 2004, a COP-10, tal como aconteceu com a COP-4, decorre em Buenos Aires e serviu para concretizar o estabelecido no Acordo de Marraquexe (2001). A COP-11, que decorreu em Montreal, em 2005, foi a primeira conferência após a entrada em vigor do Protocolo de Quioto (1997) e constitui o arranque do processo para considerar medidas adicionais de combate às alterações climáticas a partir de 2012. Em Nairobi, decorreu a COP-12, em 2006, que apenas serviu para estabelecer normas de adaptação aos impactos das alterações climáticas. Em 2007, a COP-13 realizou-se em Bali, onde foi aprovado o designado "Roteiro de Bali", para se estabelecer, no prazo de dois anos, um novo acordo sobre alterações climáticas. Na COP-14 (Poznan, 2008) foram aprovadas as regras do Fundo de Adaptação e apoio aos países menos desenvolvidos na adaptação às alterações climáticas. A COP-15, realizada em Copenhaga (2009), teve grande relevância política, por terem estado presentes vários chefes de Estado e de Governo. Mas a Conferência constitui um enorme fracasso por não se ter conseguido estabelecer normas vinculativas após ter expirado o prazo do Protocolo de Quioto (1997). Em 2010, em Cancun, realizou-se a COP-16 que confirmou o limite máximo de elevação da temperatura média global (2ºC) estabelecido na COP-15 (Copenhaga). Na COP-17 (Durban, 2011), estudaram-se processos para estabelecer um novo acordo climático global em 2015 e foram estabelecidas novas regras para a comunicação das reduções de emissões em todos os países, a vigorar após 2020. Ao contrário da Rússia, Japão e Canadá, a UE decidiu prolongar até 2017 os seus compromissos com o Protocolo de Quioto (1997), cujo prazo expirava em 2012. Em Doha, realizou-se a COP-18 (2012), onde, mais uma vez, se prolongou o prazo de cumprimento dos compromissos de Quioto até 2020 e foi declarado o fracasso na meta anual dos 100 mil milhões de dólares, acordada em Copenhaga (2009). Os países desenvolvidos comprometeram-se a compensar os menos desenvolvidos pelos estragos provocados pelas alterações climáticas. Neste mesmo ano (2012), realizou-se a extraordinariamente propagandeada Rio-20, ou Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS), no Rio de Janeiro e que teve como objectivo a renovação do compromisso político sobre desenvolvimento sustentável. No entretanto as COPs anuais continuam. Assim, em 2013, realizou-se em Varsóvia a COP-19, que terminou sem o estabelecimento de normas vinculativas sobre a compensação aos países menos desenvolvidos pelos estragos provocados pelas alterações climáticas, e sobre as emissões de gases com efeito de estufa, que deveriam ser incluídas no acordo a assinar em 2015 em Paris. Em 2014, foi a vez da COP-20, (Lima), destinada a preparar as normas para se estabelecer um novo acordo no ano seguinte, em Paris, mas, infelizmente, mais uma vez, não foi conseguida a unanimidade. Porém, na COP-21, em 2015, foi firmado o "Acordo de Paris", que estabeleceu a meta de 2ºC para o aumento da temperatura média global. Infelizmente o cumprimento da meta é voluntário e não prevê penalizações para os prevaricadores. Em Novembro de 2016, realizou-se, novamente em Marraquexe, a COP-22, onde foi estabelecido um "Livro de Regras". A COP-23 realizou-se em Novembro de 2017, na cidade de Bonn (Alemanha), onde a delegação dos Estados Unidos da América teve um comportamento inqualificável. A próxima COP-24, terá lugar em Dezembro deste ano (3-14), na cidade industrial de Katowice (Polónia).
Como facilmente se verifica, após tantos anos de Conferências Internacionais, a falta de escrúpulos de grande parte dos governantes mundiais faz com que continuem a ignorar estes Acordos, ao mesmo tempo que afirmam descaradamente que as Alterações Climáticas são uma invenção dos cientistas e que o desenvolvimento (desenfreado e altamente poluente) dos países desenvolvidos é um desenvolvimento sustentável.
Em Portugal passa-se o mesmo. São disso exemplos o que se passa com os designados Planos Directores Municipais (PDM), que são constantemente alterados, consoante as conveniências; o que se passou com o caso "Free Port", na Reserva Natural do Estuário do Tejo, em Alcochete; a poluição do leito do Tejo, que, apesar de se saber qual a empresa industrial responsável, não só é o Estado (isto é, todos nós, contribuintes) a arcar com a despesa da remoção das lamas, como também não foram aplicadas as devidas coimas; uma unidade industrial do mesmo grupo despeja, impunemente, os efluentes, sem qualquer tratamento, para o mar em frente à Leirosa (Figueira da Foz); em vez de alterar o tipo de arborização do país e adaptá-lo ao aquecimento global já presente, o Ministério da Agricultura, através do Programa de Desenvolvimento Rural, apoiou este ano, com cerca de 233 mil euros a replantação de eucaliptos (R.J.Rodrigues, Diário de Notícias, 29.07.2018) e, depois dos incêndios de 2017, esgotaram-se os eucaliptos nos viveiros do país. Também já Eça de Queiroz refere a catástrofe eucalipteira que atingiu o nosso país (Cidade e as Serras: "--Oh Zé Fernandes; quais são as árvores que crescem mais depressa? --Eh, meu Jacinto... A árvore que cresce mais depressa é o eucalipto, o feiíssimo e ridículo eucalipto. Em seis anos tens aí Tormes coberta de eucaliptos... --"). Aliás, Eça de Queiroz se tivesse vivido na época salazarista, teria sido preso pela PIDE, como aconteceu em 1958 a Aquilino Ribeiro, por criticar a plantação contínua e mono-específica dos baldios com pinheiro-bravo (Quando os Lobos Uivam: "A serra era de nossos pais e avós, dos nossos rebanhos, dos lobos que no-los comiam, do vento galego que afiava lá pelos descampados as suas navalhas de barba (...) Quem vier para no-la tirar, connosco se há-de haver!"
E ficamos por aqui, que é quanto basta para se entenderem as incongruências dos políticos na preservação da vida humana nesta gaiola, que é o Globo Terrestre, onde vivemos e que temos vindo a poluir desmesuradamente a partir da "Revolução Industrial". Se assim continuarmos a poluir e a aquecer o Planeta, muito em breve, tornar-se-á inabitável para a nossa espécie.
Biólogo