Obras prioritárias na ferrovia canceladas ou atrasadas
Não há quem consiga pôr nos carris os investimentos previstos para as linhas de comboio em Portugal. A IP-Infraestruturas de Portugal voltou a atrasar algumas das obras programadas no âmbito do programa Ferrovia 2020, apresentado em fevereiro de 2016. E pelo menos uma ficou sem data de execução. Há intervenções que já só vão ficar concluídas depois do mandato deste Governo. A falta de quadros e o deficiente planeamento explicam porquê, diz Carlos Mineiro Aires, bastonário da Ordem dos Engenheiros. No total são 17 as obras atrasadas.
Na linha do Douro, por exemplo, foi cancelada a eletrificação do troço entre Marco de Canaveses e Régua, segundo os documentos consultados pelo Dinheiro Vivo. Prevista para estar concluída no final deste ano, esta obra deixou de surgir nos diretórios da rede publicados pela IP nas últimas semanas e que já contam com todos os projetos para a ferrovia a iniciar até 2021.
Ao DN/Dinheiro Vivo, a IP afirma que "as dificuldades técnicas evidenciadas pelo consórcio projetista obrigaram à revogação do contrato. A IP está atualmente a concluir a contratação de um novo consórcio projetista".
Também no Norte, na linha do Minho, os residentes de Valença vão ter de esperar até ao final do próximo ano para começarem a ver comboios elétricos, com atraso de quase dois anos face ao plano original. Em 2016, previa-se que a eletrificação do troço entre Viana do Castelo e Valença ficasse concluída no primeiro trimestre deste ano. A introdução de sinalização eletrónica também está incluída nestes trabalhos.
Assim que a catenária chegar a Valença, será possível viajar num comboio elétrico entre Porto e Vigo, no percurso efetuado atualmente pelas automotoras diesel do serviço Celta - série 592, alugadas a Espanha. No entanto, a CP vai continuar a precisar de alugar material à congénere Renfe se quiser passar a fazer este serviço com material ligado à corrente: só em Espanha é que há comboios preparados para funcionar com tensão a 3 kV em corrente contínua (Espanha) e a 25 kV em corrente alternada (Portugal).
Mais abaixo, na linha do Norte, a IP que previa ter a renovação do troço entre Válega e Espinho pronta no final de setembro deste ano, adiou a obra para 2022/2023. "A intervenção de Renovação Integral de Via (RIV) entre Válega e Espinho não se encontra cancelada, tendo a execução prevista entre 2022 e 2023. Nesta fase está a ser elaborado o projeto de execução, prevendo-se o lançamento do concurso de empreitada durante o ano de 2020", confirmou ao Dinheiro Vivo a empresa liderada por António Laranjo.
O calendário desta obra já tinha sido alterado duas vezes antes. Na linha nova entre Espinho e Gaia os trabalhos vão começar no terceiro trimestre de 2020 e vão durar até ao segundo trimestre de 2022, ou seja, com quase três anos de atraso - na comparação com o Ferrovia 2020.
"Não temos quadros suficientes nas empresas, nem sequer na IP, como gente especializada em catenária. Também falta mão de obra para se poder fiscalizar as obras", lamenta o Bastonário da Ordem dos Engenheiros. A isto, segundo Carlos Mineiro Aires, "somam-se os maus financiamentos e o lançamento apressado de concursos. Obviamente, isto só poderia dar mau resultado".
Nas beiras, o Ferrovia 2020 também prevê a renovação da linha entre Covilhã e Guarda, que deixou de funcionar em 2009. Esta intervenção deverá ficar concluída no terceiro trimestre de 2020, dois anos mais tarde do que previsto. Só depois é que vão continuar as obras no interior. "Tendo em conta que é uma alternativa à linha da Beira Alta, a conclusão do troço Guarda-Covilhã é indispensável para que as obras de modernização naquela via arranquem", afirmou, em julho, Carlos Fernandes, vice-presidente da IP.
Entre o terceiro trimestre de 2021 e o primeiro trimestre de 2022, o troço Pampilhosa-Guarda vai ficar encerrado por nove meses. Como alternativa, os passageiros vão ser transportados através de autocarros; as mercadorias vão passar pela Linha do Leste e pelo troço Covilhã-Guarda, na linha da Beira Baixa, explica fonte oficial da IP.
O plano ferroviário de dois mil milhões de euros também contempla a construção da Concordância da Mealhada, para ligar a linha do Norte aos troços da Beira Alta. Este interface deveria ficar pronto no terceiro trimestre de 2020 - previsão de 2017; agora, só no primeiro trimestre de 2023 é que esta ligação deverá ficar pronta.
Também é no início de 2023 que vão ficar prontas as obras entre Pampilhosa da Serra e Mangualde. No trimestre seguinte, vão terminar as obras entre Mangualde e Guarda, com mais de três anos de atraso.
A demora "decorre da complexidade da intervenção", justificou em outubro o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, que herdou o dossier de Pedro Marques. Ainda na Beira Alta, a IP espera concluir os trabalhos entre Guarda e Vilar Formoso no início de 2023 - neste caso, quatro anos depois do que era suposto.
As restantes obras atrasadas ficam no litoral. A eletrificação e modernização da linha do Oeste no troço entre Mira Sintra-Meleças e Caldas da Rainha só deverá arrancar no terceiro trimestre do próximo ano, precisamente a data em que esta intervenção teria ficado concluída se a IP tivesse cumprido a programação original. Prevê-se ainda que o troço entre Malveira e Torres Vedras fique fechado entre novembro de 2021 e março de 2022.
Os algarvios também vão ter de esperar mais anos do que previsto pela chegada da eletricidade ao traçado entre Tunes e Lagos e entre Faro e Vila Real Santo de António. Só no segundo trimestre de 2023 é que esta obra vai ficar pronta, com atraso de praticamente dois anos. A culpa é da avaliação de impacte ambiental a que os dois troços vão ficar sujeitos, "contrariamente ao que a IP inicialmente tinha previsto".
O processo destas avaliações tem a duração de cerca de sete meses e decore desde julho para o troço Faro-Vila Real de Santo António; entre Tunes e Lagos, o processo deverá arrancar "ainda neste mês".
Ainda mais tempo vai demorar a intervenção no troço entre Sines e Ermidas-Sado, crucial para os comboios de mercadorias conseguirem chegar mais rapidamente a outras partes do país. O Ferrovia 2020 previa que este trabalho ficasse concluído no início de 2021. Só que a IP adiou o fim das obras para o início de 2024, já depois do termo do segundo mandato do governo de António Costa.
Este atraso implica o incumprimento de uma das metas do programa do governo [página 12]: concluir, "até ao fim da legislatura, os investimentos previstos no Ferrovia 2020, como o investimento previsto no corredor interior norte, no corredor interior sul e no corredor norte-sul".
Ao Dinheiro Vivo, a empresa justifica o atraso com o facto de "as obras na Linha de Sines estarem incluídas num empreendimento global onde se incluem as obras do Corredor Internacional Sul". "O Projeto de execução relativo à Modernização da Linha de Sines encontra-se atualmente em fase de revisão por parte da direção de engenharia da IP", conclui a empresa.
As novas instruções da IP também incluem trabalhos de modernização da linha de Vendas Novas. Este troço de 70 quilómetros, até Setil, será intervencionado entre o início de 2021 e o segundo trimestre de 2024. As obras nesta linha vão levar à "adaptação de seis estações para permitir o cruzamento de comboios de mercadorias com 750 metros". O regresso do serviço de passageiros - indisponível desde 2011 - depende da vontade da CP - Comboios de Portugal.
jornalista do Dinheiro Vivo