Obra de Pinho Vargas em estreia mundial na abertura do Cantabile 2016
Amanhã, na abertura do 7.º Festival Cantabile, as Ruínas do Carmo recebem (21.00) um concerto com seis solistas e a Orquestra Gulbenkian, dirigida por Jan Wierzba. Ponto alto será a estreia absoluta do Concerto para viola e orquestra, de António Pinho Vargas, encomenda da violetista Diemut Poppen, também diretora artística do Festival.
Os dois conheceram-se na edição 2015 do Festival, aquando de um concerto que incluiu três obras de Pinho Vargas e "perto do final do ano, chegou por mail o convite da Diemut, que muito me honrou, por ser artista de tão grande calibre", recorda o compositor. "Já fiz várias encomendas e pareceu-me natural o Cantabile fazer uma a um português. E como sou violetista...", conta Diemut, por seu turno, que logo avança: "disse logo o que desejava: uma obra onde houvesse um diálogo efetivo entre a viola e a orquestra; e que o Concerto tivesse uma natureza tal que se integrasse bem no conceito de "música sacra" que preside a todo o programa do concerto de abertura".
As perguntas do autor e de Job
O trabalho começou como sempre começa, para Pinho Vargas: "primeiro, a pergunta: "O que vou eu fazer?" e depois outras duas, mais concretas: "o que é a viola como instrumento concertante?" e "que material musical encontrar para concretizar certa ideia?"" Com o carácter da obra em grande parte definido, "surgiu a ideia de associar aos 4 andamentos 4 momentos do Livro de Job, não como programa/descrição, mas como metáforas da narrativa da peça". O porquê do Livro de Job é simples: "porque me interessa o que lá se passa" e porque,"à margem de qualquer crença específica, todo o ser humano pode colocar-se as perguntas que Job coloca a si próprio. É algo intrinsecamente humano".
O processo de criação foi de "colaboração positiva e intensiva", já que "há certos desafios e exigências inerentes a escrever um Concerto para violeta", conta Diemut. E Pinho Vargas lembra "dois dias de trabalho conjunto em Madrid, de extrema utilidade". O confronto com a obra concluída foi, para Diemut, "um desafio e um processo moroso de compreensão e apropriação pessoal", mas significou também "muitas horas" de estudo "Investi muito tempo nela. Será uma obra intimidante para muitos intérpretes, pois contém passagens mesmo muito complexas!"
A música e o sagrado
A "conexão sagrada" do Concerto de Pinho Vargas não é fortuita no Cantabile 2016: "o carácter "sagrado" da música é na verdade o fio condutor do Festival - conta Diemut. E não é preciso que seja sacra, mas apenas que detenha um valor transcendente e intemporal, como as Sonatas e Partitas para violino solo de Bach [dia 18] ou, no dia 20, o Quinteto em dó M de Schubert". Música que, é sua firme convicção, "engendra o diálogo do Homem com o seu íntimo, o seu ouvinte interior e com uma Ordem mais elevada, da qual, nos tempos atuais, amiúde perdemos noção". E a sua audição "desencadeia um processo que faz o ser humano sentir-se pacificado, reordenado e capacitado para alterar o modo como olha os seus problemas e os do mundo". Daí que muito lhe agrade o local da estreia: "o Carmo conserva algo do sagrado original, mas em simultâneo está aberto - já como espaço físico! - hoje a todas as espiritualidades e procuras individuais" e, no caso, a pessoas abertas a "receber o poder curativo da música".
Da estreia, Pinho Vargas espera "uma realização que transmita o essencial da peça e lhe dê vida numa dimensão superlativa. E a Diemut tem estatura para fazê-lo." Já Diemut "gostava de tocar este Concerto no estrangeiro. Espero que tal suceda mais cedo ou mais tarde". A obra terá edição na Ava Musical Editions, ao passo que sobre uma gravação, "ainda nada se abordou", adianta o compositor - "nem mesmo a do concerto de amanhã..."
Os concertos do Cantabile desenrolam-se ainda no Museu do Dinheiro (dia 17), Palácio de Queluz (dia 18) e na Fundação Gulbenkian (dia 20), com solistas como Isabelle Faust, Gerhild Romberger, Ivan Monighetti ou Paulo Gaio Lima . Demais informações nos canais próprios do Goethe-Institut.