Obama vai esvaziando Guantánamo sem conseguir fechar a prisão

A cinco meses de sair da Casa Branca, presidente consegue a maior transferência do seu mandato. Mas ainda faltam 61 prisioneiros
Publicado a
Atualizado a

O afegão Obaidullah foi capturado a 20 de julho de 2002, acusado de esconder minas anti-tanque para usar contra as tropas dos EUA no Afeganistão. Nos 14 anos seguintes foi o prisioneiro número 762 de Guantánamo, sem nunca ter sido julgado. Este sábado, foi um dos 15 detidos da prisão da base militar norte-americana em Cuba a ser transferidos para os Emirados Árabes Unidos, na maior transferência desde a chegada de Barack Obama à Casa Branca. Restam outros 61 e a cinco meses de deixar o cargo, o presidente dos EUA não deverá conseguir cumprir a promessa de campanha de fechar Guantánamo.

"Os EUA coordenaram com o governo dos Emirados Árabes Unidos para garantir que estas transferências ocorreram de forma consistente com as medidas de segurança e de tratamento humanitário apropriadas", indicou em comunicado o Departamento de Defesa, agradecendo a disponibilidade dos Emirados para receber os prisioneiros - 12 iemenitas e três afegãos.

Estes não são os primeiros detidos que os Emirados recebem, tendo aceite outros cinco iemenitas em novembro. O país colocou-os numa versão modificada do programa de reabilitação que desenvolveu para os seus próprios cidadãos que são atraídos pelo extremismo islâmico, segundo o The New York Times. Washington tem tido dificuldades em encontrar países que aceitem receber os detidos iemenitas, que não podem ser repatriados por causa da guerra civil que atinge o Iémen desde 2015.

"A existência deste centro de detenção enfraquece a nossa segurança nacional porque esgota os nossos recursos, estraga a nossa relação com os nossos parceiros e os nossos aliados-chave e reforça as violências extremistas", disse o enviado especial do Departamento de Estado para o encerramento de Guantánamo, Lee Wolosky. "O apoio dos nossos amigos e aliados, como os Emirados, é crucial para atingir o nosso objetivo comum", acrescentou.

Mas os republicanos criticam: "Na sua pressa de fechar Guantánamo, a Administração Obama está a arriscar com políticas que colocam as vidas americanas em perigo", reagiu o congressista republicano Ed Royce, presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros da Câmara dos Representantes, à libertação de mais 15 prisioneiros. "Mais uma vez, terroristas experientes estão a ser libertados para países estrangeiros onde vão ser uma ameaça", acrescentou.

Fechar Guantánamo

Quando Obama chegou à Casa Branca, em 2009, com a promessa de fechar o centro de detenção, havia 242 presos em Guantánamo. A sua proposta passava por levar os detidos cuja transferência para países terceiros não está autorizada para prisões de alta segurança nos EUA. Contudo, o Congresso dominado pelos republicanos bloqueou esse plano. Obama tem tentado pelo menos transferir todos os detidos cuja entrega a outros países foi autorizada, restando ainda 20 nessas condições.

Em teoria, o presidente pode ainda aprovar a transferência dos restantes para as prisões dentro dos EUA através de uma ordem executiva. Em fevereiro, Obama revelou o último plano para fechar o centro de detenção, que incluía a indicação de que estavam a ser avaliadas prisões no Kansas, Carolina do Sul e Colorado para poder receber os presos de Guantánamo.

Mas o mais provável é que o dossier acabe na secretária do sucessor de Obama. O candidato republicano, Donald Trump, já se comprometeu a encher a prisão da base norte-americana em Cuba de "tipos maus" e recuperar as práticas de tortura, "bem piores que o waterboarding [simulação de afogamento]". A democrata Hillary Clinton tem defendido o fecho de Guantánamo. Em fevereiro, depois de Obama apresentar o seu plano final para fechar Guantánamo, disse esperar que o Congresso trabalhasse com o presidente para o possibilitar.

[artigo:5044548]

"Penso que estamos num momento extremamente perigoso em que existe a possibilidade significativa de que vai continuar aberta para sempre uma prisão offshore para deter as pessoas, praticamente até à sua morte", disse a diretora para a Segurança e Direitos Humanos da Amnistia Internacional nos EUA, Naureen Shah. Manter Guantánamo aberta dá uma desculpa aos governos estrangeiros para ignorarem os Direitos Humanos, alega. "Enfraquece a mão do governo dos EUA nas discussões contra a tortura e as detenções por tempo indeterminado", acrescentou à Reuters.

Desde a abertura de Guantánamo, pouco tempo após a invasão do Afeganistão em outubro de 2001, passaram por lá 780 prisioneiros. A prisão foi criada para acolher "os piores entre os piores", segundo as palavras do vice-presidente de George W. Bush, Dick Cheney. Mas tornou-se também símbolo de tortura, com Obama a dizer que se transformou num argumento para facilitar a recruta de jihadistas. Dos 161 prisioneiros transferidos por Obama, 5% voltaram a tornar-se militantes (contra 21% dos libertados na era de Bush).

----

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt