O zulu polígamo que chegou a presidente e divide os sul-africanos

Sobreviveu a uma tentativa de destituição na semana passada, no Parlamento, mas isso não foi suficiente para calar os seus críticos, desde a oposição ao próprio ANC
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"O ANC já não é a organização que produziu figuras como Walter Sisulu, Ahmed Kathrada e Nelson Mandela", disse Mmusi Maimane, líder da Aliança Democrática (DA), maior partido político da oposição na África do Sul, na terça-feira, durante o debate da moção de censura que pedia a destituição do presidente Jacob Zuma. A moção, que teve 143 votos a favor e 233 contra, acabou por ser rejeitada. Mas isso não foi suficiente para calar os críticos do chefe do Estado, até no interior do próprio ANC. Zuma, no segundo mandato presidencial, tornou-se, aos 73 anos, uma figura que divide os sul-africanos. Ao contrário do histórico Mandela, ex-presidente falecido em 2013, que através do seu exemplo pacificador conseguiu unir aquilo a que se chamou a "Nação Arco-Íris".

Na origem da moção e de toda esta nova controvérsia em torno do também líder do ANC (muitas outras houve no passado) estão obras de renovação realizadas em 2009 na sua residência na província do KwaZulu-Natal. Estas custaram ao erário público o valor de 246 milhões de rands (o equivalente a cerca de 14 milhões de euros). As obras incluíram a construção de uma piscina, um centro para visitantes, um anfiteatro, um curral para o gado e um galinheiro. Após forte polémica sobre o assunto, na quinta-feira passada o Tribunal Constitucional da África do Sul decidiu que Zuma tem de devolver o dinheiro e violou a Constituição.

"O presidente deve pagar pessoalmente a soma determinada pelo Tesouro público nos 45 dias seguintes à decisão deste tribunal", declarou o presidente do Constitucional, Mogoeng Mogoeng, considerando que Zuma não tinha "nem respeitado, nem defendido, nem seguido a Constituição". Mogoeng insistiu que "as reparações exigidas pela mediadora da República [Thuli Madonsela] são obrigatórias" e que "o facto de o presidente não ter cumprido (...) é uma violação da Constituição". Madonsela exigira, em 2014, que o presidente reembolsasse "uma percentagem razoável dos custos" de renovação da sua propriedade.

No dia seguinte, numa declaração ao país transmitida pela televisão pública, Zuma prometeu respeitar a decisão: "Respeito a sentença e vou cumpri-la. Pagarei o dinheiro relativo às reformas não relacionadas com a segurança." Na África do Sul, país que em 1994 teve como primeiro presidente negro Nelson Mandela, herói da luta contra o regime do apartheid, um chefe de Estado pode ser destituído do cargo à luz do artigo 89.º da Lei Fundamental do país se tiver cometido violação grave da Constituição ou da lei, se tiver má conduta ou se não for capaz de desempenhar o cargo, escreveu o jornal Mail & Guardian. Num país com 52 milhões de habitantes (cerca de 400 mil de origem portuguesa), a África do Sul tem uma taxa de 25% de desemprego e a violência e o VIH/sida são alguns dos seus maiores problemas.

Face a tudo isto, vários históricos do ANC tentaram já convencer Zuma a demitir-se. Às vozes críticas do partido juntaram-se já alguns líderes religiosos sul-africanos, de alguns investidores e de vários dirigentes de organizações da sociedade civil de vários países africanos. Além da oposição. "Votaram contra a Constituição e contra o povo da África do Sul. Este é um Parlamento incapaz. Traidores", gritou na terça-feira no Parlamento o jovem Julius Malema, líder do Economic Freedom Fighters e ex-líder da Liga da Juventude do ANC, expulso do partido por Zuma.

Nascido em Nkandla, hoje situado no KwaZulu-Natal, Zuma é filho de um polícia e de uma doméstica. Entrou na política muito cedo: aderiu ao ANC em 1959 com 17 anos. Chegou à liderança do ANC em 2007 após uma luta fratricida com o então presidente Thabo Mbeki. E à presidência em 2009, tendo sido reeleito em 2014. De etnia zulu (Mandela e Mbeki são xhosas), Zuma é assumidamente polígamo: tem agora quatro mulheres e terá mais de duas dezenas de filhos. Habituado a lidar com acusações de corrupção e não só (em 2006 foi absolvido da acusação de violação), o líder sul-africano parece apostado em resistir a mais este teste. A questão é saber se vencerá.

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