O Walkman faz quarenta anos (e já há quem nunca tenha ouvido falar dele)
Recostados nos voos internacionais que faziam regularmente em trabalho, com todas as comodidades à disposição exceto ouvir música para passarem o tempo, Masaru Ibuka e Akio Morita, os fundadores da Sony, puseram-se a pensar: e se lhes criassem um aparelho que lhe permitisse levar a sua ópera no bolso para qualquer lado? E se pudessem ouvi-la com auscultadores sem incomodar os outros passageiros, quer estes estivessem na cauda do avião ou no banco da frente?
Foi assim que o Walkman nasceu há 40 anos, a marcar gerações quando ainda não havia smartphones que tornassem tudo portátil, observa Nuno Galopim, consultor da RTP para o Festival da Canção e ex-jornalista do DN, com trabalho feito na música (do álbum Humanos à compilação O Melhor do Pop Rock Português). "Pela primeira vez, cada um de nós podia andar na rua com a música que queria. A sua música."
É um facto que antes disso já havia leitores portáteis de cassetes, contudo foi o Walkman que massificou o consumo de música gravada. "O Discman, por exemplo, não teve esse carácter de novidade, que só voltaria a surgir com o MP3 e agora com os smartphones", aponta Nuno Galopim. Curiosamente, hoje em dia vemos que também as cassetes voltam a ter impacto como formato para um nicho muito reduzido, que as colecionam como objetos de culto e não para ouvir. "O nosso acesso à música continua a ser digital", diz o especialista.
Conta a história que foram engenheiros brilhantes como Kozo Ohsone e Nobutoshi Kihara, entendidos em rádios, componentes eletrónicos e cassetes, quem finalmente concebeu o Walkman para os executivos japoneses Ibuka e Morita. O TPS-L2 seria o primeiro modelo da marca, lançado no Japão a 1 de julho de 1979 e a custar o equivalente a 133 euros (uma pequena fortuna para o comprador comum). Um ano depois, o Walkman chegou aos EUA com o nome de Soundabout (Stowaway no Reino Unido) e daí saltou para outros mercados internacionais com uma adesão espantosa.
"Walkman e Discman, se não tiveste algum é porque és surdo", diz o humorista Diogo Faro, autor do livro Também Tive Um Pega-Monstro - Uma Viagem aos Anos 90 (da Manuscrito Editora). Daquilo que recorda, o aparecimento destes aparelhos fez que diminuísse o número de gente a carregar rádios para todo o lado, com música aos berros que mais ninguém queria ouvir mas era obrigada. "Ter um Walkman era mais valioso do que um irmão mais novo", acrescenta o guionista meio a brincar, embora não ande muito longe da verdade.
Ao todo, estima-se que mais de 385 milhões de Walkmans tenham sido vendidos no mundo até 2009, fazendo a procura de cassetes disparar em relação à dos vinis logo a partir de 1983. Batizado em homenagem a um gravador portátil muito em voga entre os jornalistas na década de 70 - o Pressman, com o qual era parecido em aspeto -, o Walkman instalou-se de tal forma nos nossos corações que a Sony manteve a designação até mesmo quando as cassetes se tornaram obsoletas.
Em 2000, os primeiros Discmans começaram a surgir com o nome de CD Walkman, não fosse o público estranhar a substituição da fita magnética pelos novíssimos aparelhos de CD. A marca Walkman é tão forte, ainda hoje, que chegou inclusivamente a ser usada em leitores de MP3 da Sony - a competir com os iPods da Apple -, Walkmans totalmente digitais, leitores de DVD e até telemóveis, resistindo com todas as suas forças ao esquecimento.
Ainda assim (os saudosistas que se segurem), confirma-se: há quem nunca tenha visto, tocado ou sequer ouvido falar do Walkman, apesar de ser tão incontornável como os ténis All Star ou as calças à boca-de-sino. Miúdos agora com 11 anos, que cresceram a deslizar os dedos por tudo quanto é ecrã, desconhecem esta febre histórica que proliferou a par de uma outra febre igualmente notável à época: a de se fazer desporto ao ar livre de fones nos ouvidos, beneficiando da recente portabilidade da música.
De resto, essa é uma combinação que só nos faz bem à saúde, a avaliar por um artigo publicado no jornal britânico The Independent. Segundo ele, ouvi-la durante o exercício liberta substâncias químicas que reduzem o cansaço, aliviam dores, ajudam a cuidar da saúde cardíaca e ativam no cérebro a área ligada ao prazer, melhorando a performance do praticante. Outras pesquisas indicam ainda que o número de pessoas que passaram a caminhar ou correr entre 1987 e 1997 - a coincidir mais ou menos com o boom do Walkman - aumentou 30% apenas nos EUA. Ah, o progresso!