"O vinho vive connosco nos momentos de alegria. Mas também tira horas de sono"
"O vinho vive connosco em permanência. Vive connosco nos momentos de alegria, mas também nos tira muitas horas de sono quando as condições atmosféricas são desfavoráveis e põem em causa todo o trabalho de um ano."
Pedro Baptista sabe do que fala. Desde 1997 está ligado a uma das principais produtoras vitivinícolas do país, sendo a cara da Adega Cartuxa e o principal enólogo da casa que produz algumas das marcas de vinho portuguesas mais conhecidas tanto em Portugal como a nível internacional.
Licenciado em Engenharia Agrónoma, o enólogo da Cartuxa é também um estudioso do setor: além do curso tirado no Instituto Superior de Agronomia, tem uma pós-graduação em Agronomia pela École National Supérieure Agronomique de Montpellier e é enólogo pela École Supérieure d"Oenologie de Montpellier.
Tem, assim, uma vida ligada ao setor passando por várias etapas profissionais, como contou ao DN no dia em que a Fundação Eugénio de Almeida (FEA) -- a que pertence a Adega Cartuxa -- promoveu um evento para assinalar a comemoração dos seus 60 anos.
"Cheguei à Fundação como técnico de viticultura, para trabalhar na vinha no verão de 1997. Mantive essa função associada a outras no contexto agrícola até ao final de 2004, altura em que o conselho de administração da Fundação me convidou para ser o responsável pela enologia da Fundação Eugénio de Almeida -- portanto para ser o responsável pelos vinhos da Adega Cartuxa. Este conhecimento prévio das vinhas foi naturalmente muito importante para a minha então nova função", conta o enólogo, que já foi distinguido algumas vezes por publicações da especialidade, como aconteceu em 2010, pela revista Wine - A Essência do Vinho, e em 2019, pela Vinhos Grandes Escolhas, que elegeu empresas e personalidades cujo trabalho no setor dos vinhos e da restauração merecia ser valorizado.
Pedro Baptista não gosta de ser o "foco" da notícia. Prefere falar da FEA, dos seus projetos e da sua importância para a região.
Mas a verdade é que o trabalho liderado pelo especialista é um dos maiores suportes da instituição criada em 1963 por Vasco Maria Eugénio de Almeida, pois, como reconheceu o arcebispo de Évora, Francisco José Senra Coelho -- presidente do conselho de administração da FEA por inerência do cargo --, no evento comemorativo da celebração dos 60 anos da Fundação: "A herança vinícola é uma das mais reconhecidas em Portugal e a principal fonte de receita da Fundação, possibilitando as ações de beneficência."
Pedro Baptista não se alonga em comentários a esta "responsabilidade" de criar produtos que mantenham o valor da Adega Cartuxa em alta -- teve uma faturação em 2022 de 23,6 milhões de euros, sendo que 20,8% deste valor foram conseguidos com a exportação de vinho para o Brasil. "Dentro da atividade agrícola o vinho é realmente o mais importante e é efetivamente um peso, uma responsabilidade. Mas esse é um peso com que temos de viver, com que nos habituámos a viver, fazendo aquilo que temos feito e que qualquer ser humano tem a obrigação de fazer -- o melhor que sabe e pode", diz, frisando que existem outras atividades no setor agrícola da FEA que também contribuem, como a produção de azeite.
Um dos "trunfos" para o sucesso do projeto liderado por Pedro Baptista é a procura constante de inovação, como prova as técnicas utilizadas na nova adega, localizada na Herdade dos Pinheiros. O enólogo explica que esse é o resultado de "muito conhecimento adquirido com os nossos parceiros e também nos conhecimentos que fomos adquirindo em outras geografias onde fomos ver novas técnicas e equipamentos". Destaca ainda a ligação "à academia no desenvolvimento de projetos de investigação que possam criar valor na região".
E a importância da Adega Cartuxa é o tema sempre presente no seu discurso: "Os vinhos da Fundação Eugénio de Almeida são um património sempre em evolução, nada é imutável. E todo o conhecimento que temos desenvolvido na vinha destina-se não só a tentar fazer cada vez melhor, como fazer bem todos os anos, de forma a darmos consistência permanente a este projeto e aos vinhos."
E é nessa constante procura de evolução que entra o desenvolvimento que Pedro Baptista e a sua equipa têm promovido: a agricultura biológica, com 170 dos 560 hectares da herdade a serem desta cultura.
"Este é um processo em curso, aliás como é a natureza. No final dos anos 90 do século passado começámos na Fundação em todas as culturas, mas de forma especial na vinha. Temos vindo a desenvolver a agricultura biológica cada vez mais, o que nos permite não só criar mais sustentabilidade aos nossos sistemas de produção, como nos permite ter um caráter mais puro das castas. Por isso estamos a fazer essa reconversão gradual da vinha e começámos a fazê-lo nas vinhas mais emblemáticas", sublinhou.
Mais um projeto em que está envolvido e que obriga a uma dedicação exclusiva, como reconhece. "É dedicação exclusiva. O vinho vive connosco em permanência, vive connosco nos momentos de alegria, mas também nos tira muitas horas de sono quando as condições climatéricas são desfavoráveis e põem em causa todo o trabalho de um ano", frisa.
Pedro Baptista foi também o autor do projeto para os 60 anos da Fundação Eugénio de Almeida: uma caixa com oito garrafas de vinho e uma de azeite que assinala as seis décadas da FEA.
"Este projeto foi começado em 2021, de cuja colheita são os vinhos. O pensamento inicial era refletir sobre o que seria interessante para associarmos aos 60 anos da Fundação. Seriam seis vinhos que de alguma forma representassem não só a base de construção dos nossos vinhos -- em particular o mais emblemático, o Cartuxa Colheita Tinto. São colheitas irrepetíveis, pois as vinhas foram retiradas. Fomos à procura nestes oito vinhos, se quiser, da expressão mais pura das castas."
Refira-se que este projeto vai ter uma edição limitada a mil caixas de madeira com gravura a ouro. De acordo com a Fundação, algumas destas caixas vão estar à venda no site, outras no enoturismo em Évora, sendo que algumas serão enviadas para o mercado brasileiro. Todas com o valor unitário de mil euros.
Apostar no Brasil, fornecer diretamente os supermercados e "usar" os visitantes do enoturismo como embaixadores da marca -- estes são alguns dos vértices da estratégia da Adega Cartuxa para a expansão desta produtora, que é propriedade da Fundação Eugénio de Almeida e que nos últimos anos tem estabelecido recordes de faturação.
"Foi na década de 2000 que iniciámos o processo de expansão, sendo que em 1998 a Adega Cartuxa exportou pela primeira vez os seus vinhos para o Brasil", conta ao DN João Teixeira, diretor da empresa.
Uma decisão que se tem vindo a revelar acertada, com os dados a mostrarem que o Brasil representa cerca de 20% da faturação anual de 23,6 milhões de euros da adega. "A marca Cartuxa vende cerca de 100 mil garrafas no Brasil", acrescenta também o responsável.
O controle mais direto da distribuição em Portugal também ajudou à mudança de paradigma: "Chegámos à conclusão de que ninguém trata melhor as nossas marcas do que nós, por isso decidimos que todo o canal dos supermercados iria ser fornecido diretamente por nós próprios, e isso permitiu-nos passar de uma faturação de dois milhões de euros para 8,5 milhões, com que vamos encerrar 2023."
O enoturismo é outra das facetas da adega e uma implementação importante para valorizar as marcas no Brasil. "Recebemos 22 mil pessoas por ano no enoturismo e, dessas, 17 mil têm passaporte brasileiro. São 17 mil pessoas que provam os nossos vinhos e azeites. Ou seja, são 17 mil "embaixadores" no mercado brasileiro", sublinha.
A Adega Cartuxa é, porventura, o "braço" mais conhecido da Fundação Eugénio de Almeida (FEA). É atualmente o maior suporte financeiro desta entidade fundada em 1963 por Vasco Maria Eugénio de Almeida, mecenas que liderou a Fundação até 1975.
A intervenção da FEA na sociedade eborense começou em 1964 e não esteve ligada à agricultura. Foi por causa desta situação que surgiu nesse ano o Instituto Superior Económico e Social de Évora, que iniciou a restauração da Universidade de Évora.
Segundo o site da FEA, só a partir da década de 80 do século passado surgiu a exploração agropecuária, que garantiu a sustentabilidade económica deste projeto criado por Vasco de Almeida - que também teve ligações a Lisboa, onde, por exemplo, os terrenos onde está a Fundação Gulbenkian lhe pertenciam, tal como a zona do Parque Eduardo VII.
Atualmente, além da produção de vinho e de azeite, a FEA -- que é sempre presidida pelo arcebispo de Évora, atualmente Francisco José Senra Coelho -- tem intervenção em várias vertentes.
Uma delas é o Centro de Inovação Social, que tem como objetivo apoiar e promover projetos inovadores com impacto na sociedade, dando destaque a ideias que possam transformar-se em modelos de negócio sustentável.
Tem projetos de voluntariado e de apoio social, em conjunto com a Cáritas Diocesana de Évora, que passa pela atribuição de apoios financeiros a pessoas ou famílias carenciadas de Évora.
Disponibiliza ainda um projeto de apoio ao artesanato. Iniciado em 2017, este tem como objetivo apoiar os artesãos e criativos da região com o alcance de, segundo o site, "valorizar o saber fazer local, a identidade regional, aliando a criatividade e a inovação, consolidando e promovendo o autoemprego e o empreendedorismo jovem."
Na área da educação, a Fundação Eugénio de Almeida atribuí, com candidaturas possíveis a partir do dia 1 de novembro, bolsas para estudantes do ensino superior. Este apoio - no ano letivo passado foram atribuídas 32 bolsas - está direcionado para os estudantes que residam nos concelhos do Alentejo Central, Alentejo Litoral, Alto Alentejo e Baixo Alentejo ou nos concelhos de Benavente e Coruche.
Tem ainda um vasto património, que inclui, por exemplo, o Páteo de São Miguel, o Paço de São Miguel, o Arquivo e a Biblioteca Eugénio de Almeida. E, claro, vinhas, a produção de azeite, o enoturismo, o festival EA, tudo isto projetando o próprio nome da Fundação.
cferro@dn.pt