O vinho os uniu
Conheceram-se através do vinho e o vinho fez deles amantes, e concorrentes. São enólogos, gestores, especialistas em viticultura e marketeers do Douro, que se casaram uns com os outros. Trabalham e são donos de produções diferentes, o que, no mundo do vinho e dos negócios, faz deles concorrentes. São de famílias cuja história se construiu nos socalcos do Douro, ou chegaram mais recentemente, atraídos por este paraíso, onde o amor não é estranho, é, aliás, quase natural, uma extensão da natureza. Partimos para este trabalho a pensar encontrar alguns pontos de fricção, senão mesmo conflitos de interesse de muito difícil gesta. Mas o resultado foi de surpresa total. Afinal, estes casais do Douro são cúmplices. Em casa e na profissão.
Porque o vinho é uma atividade das mais intensas, na qual os dias não correm no fluxo normal, muitas vezes não há noites e os intervalos servem sempre para mais tarefas, a vida de quem dele vive não é nada fácil. Nem para os próprios nem para quem os rodeia. A menos, claro, que quem os rodeia seja também um deles. Aí, o tempo parece vergar-se perante a cumplicidade que está na base de um casamento feliz. Cumplicidade que faz também que os momentos de afastamento, mesmo para paragens longínquas, continuem a ser de partilha e convívio em família.
Numa coisa estes quatro casais unidos pelo mundo do vinho estão de acordo: a comunhão que têm entre eles só é possível porque a plataforma profissional é semelhante. Todos têm filhos em idade escolar, apoiando-se, por isso, todos na família alargada para a logística do dia a dia. Sendo do Douro, não estão sempre no Douro. E dois dividem o labor entre o grande vale e outras regiões - Lisboa e Alentejo -, o que torna tudo ainda mais complexo. Fazem quilómetros de norte a sul, nascente a poente. Calcorreiam o país inteiro e o mundo todo, falando dos seus vinhos, promovendo a região, as castas e as virtudes do vale do Douro em particular e do país no geral.
Ana e Jorge
Ana Mota Alves é diretora de produção da Quinta Nova Nossa Senhora do Carmo desde a entrada da Burmester no universo Amorim. Jorge Alves é diretor-geral da Quinta do Tedo, sócio do projeto Quanta Terra, com Celso Pereira. Casaram em 1997 e por causa da vindima não foram sequer de lua de mel. «Fomos este ano», explica Jorge, com um sorriso. Hoje moram perto da Régua, mas já moraram na Quinta do Tedo, no coração do Douro. Curiosamente, as quintas onde trabalham ficam quase face a face, com o Douro de permeio. A Quinta do Tedo fica na foz do Tedo, margem esquerda do Douro, enquanto a Quinta Nova fica próximo de Gouvinhas, do outro lado, virado a sul. Pelo rio seria um tiro, mas os caminhos no vale fazem-se por estrada, e difícil, e no percurso de mais de meia hora que os separa, há tempo para decidir, antes de chegar a casa, que segredos vão guardar e que informação vão partilhar, ao fim de um dia de trabalho. Como em tudo na vida, depende. «Nós falamos muito um com o outro», diz Ana. «Mas eu tenho muita necessidade de falar sobre as coisas do meu trabalho em casa, e o Jorge é a pessoa em quem mais confio, pelo que é com ele que tenho de falar.» Jorge não tem essa necessidade. «Em todos os sítios em que trabalho tenho as minhas adversidades, o que acho normal.» Para ele, os assuntos profissionais morrem à porta.
Ambos pertencem a fortes concorrentes. «Eu vim com o grupo Amorim para a Quinta Nova», explica Ana ao recordar a sua estreia profissional no Douro. A componente de viticultura foi a mais importante, sendo-lhe confiado o importante património das vinhas, ligado à estratégia de marca que a empresa viria a desenvolver. Liderou o arranque e replantação dos vinhedos, bem como a plantação de vinha nova. Se hoje aparecem títulos vencedores nas garrafeiras, isso deve-se primeiro à visão de Luísa Amorim, depois a Ana e finalmente a Francisco Montenegro, responsável de enologia. Para não falar de Maria Luís e Paula Sousa, uma espécie de dream team.
Jorge Alves, por seu lado, conheceu Vincent Bouchard, pertencente a uma família de grandes negociantes e armazenistas de vinho franceses, nos Estados Unidos (EUA), em 1996. Estava então a fazer uma pós-graduação. «Fiquei a saber que ele tinha um projeto no Douro e mostrei-me interessado.» Entenderam-se bem, ficou uma ligação e «uns meses mais tarde já estava na Quinta do Tedo, em funções». Era uma altura em que havia muita procura de talentos e mão de obra
Têm dois rapazes, de 8 e 11 anos, e esse foi o motivo principal para a deslocação da família para perto da Régua, para mais perto da escola. Ana comenta a vida em família, dizendo sorrindo que «é giro, porque eles já estão completamente dentro do assunto do vinho e querem participar das conversas, à mesa e nos tempos livres». Com a vida difícil que têm, organizaram a sua para manter o motor do lar sempre a funcionar, optando por uma empregada interna.
Estão geralmente de acordo em relação a tudo, mas há exceções. O projeto Quanta Terra é marca própria de Jorge, juntamente com os seus sócios, e, por sua vez, concorrente com a Quinta do Tedo. Um pouco kafkianos... Para Jorge, «é uma situação delicada, mas na qual não há conflitos, porque é um jogo aberto». Já Ana é muito crítica em relação às marcas feitas pelos enólogos. «O meu projeto profissional é a Quinta Nova, desde há 11 anos.» Isso já lhe dá trabalho e ocupação suficientes. «Tenho desde 2005 toda a produção a meu cargo, ano em que a quinta passou ao estatuto de produtor-engarrafador.»
Mas os projetos não ficam por aqui para este casal. A Wine Moments & Gourmet é a empresa que ambos formaram e que irá, principalmente, dinamizar o turismo na região do Douro. «Para mim é um desafio muito interessante e o Douro precisa desse impulso.» A dois é tudo mais fácil. E natural. «Ajuda sermos os dois do setor porque o vinho é uma área profissional muito absorvente. É preciso ter muito gosto e empenho pelo que fazemos», comenta Jorge. Em período de vindimas é quando se nota mais. «É cerca de um mês em que só nos vemos ao pequeno-almoço», diz Ana. Nas férias, às vezes saem todos, outras não. «Depende, às vezes vamos mesmo, outras vezes ficamos os quatro em casa, e os filhos ficam felizes, porque nesses dias têm os pais em casa só para eles», conclui.
E então, conclusão: o vinho divide-os ou aproxima-os. «A nossa relação não nasceu com o vinho, o vinho apareceu depois. Mas não há dúvida de que fortalece a nossa relação.» Jorge acrescenta: «Ainda ontem estivemos a discutir o assunto do IVDP os dois durante três horas. Ninguém nos ouve e às vezes tem mesmo de ser.» Sobre algum dia saírem do Douro, a reposta é: nem pensar! Ana explica-se: «Quando fico mais de cinco dias longe do Douro começo a ficar infeliz e tenho de vir para cá, dê por onde der.» Jorge pensa da mesma maneira e vai mais além: «Não me importava de arranjar uma vinha especial, para um projeto fim de vida e fazer aí um vinho fantasia, sem restrições nem constrangimentos.» Puxamos pelo fio da imaginação de Jorge. «Também temos um projeto de produção de azeite, estamos à espera do surgimento da denominação DOP para avançar.» Ana é a um tempo entusiasta e moderadora. «Todos os dias o Jorge chega a casa com uma nova ideia e tenho de o travar.»
Olga e Jorge
Olga Martins é administradora-delegada da Lavradores de Feitoria, empresa que congrega dezena e meia de produtores de primeira linha do Douro. Jorge Moreira é diretor de enologia da Real Companhia Velha, Quinta da La Rosa, outros projetos, e ainda é autor do vinho Poeira, que está entre os mais celebrizados da nova vaga duriense.
São duas almas que o vinho juntou, dois percursos individuais que o tempo acabou por fazer convergir. Têm perspetivas muito semelhantes sobre o que um vinho pode e deve ser e hoje não conseguem imaginar a vida sem partilhar um com o outro vontades e sensibilidades. Jorge Moreira é homem de poucas mas contundentes palavras e explica: «Os vinhos têm uma linguagem própria que só quem está por dentro percebe. Um tio meu não entende, por exemplo, que haja diferenças notáveis entre um vinho e outro, nem sequer que o ano de colheita marca o perfil de um vinho.» Olga dá uma achega: «Além disso, há a gestão do tempo. A nossa profissão é muito absorvente e há alturas em que não há disposição para mais nada, estamos muito concentrados no que estamos a fazer.» Refere-se ao período de vindimas, no qual o tempo disponível para estarem juntos é muito reduzido.
A profissão de enólogo ganhou muito prestígio. Diz Jorge Moreira: «Quando comecei a trabalhar, em 1996, o enólogo era uma figura praticamente inexistente aos olhos do grande público. Hoje é tudo muito diferente, o nosso trabalho é reconhecido e as pessoas interessam-se por nós e pelos nossos pontos de vista.» Olga tem formação superior em enologia, pela UTAD, mas nunca fez um vinho. Acompanha tudo muito de perto. «Quando comecei a trabalhar, depois da licenciatura, foi também quando o Douro começou a fervilhar», conta. «Era muito excitante participar nas provas que se faziam com a participação de muitos produtores, especialmente na partilha de conhecimentos.»
Sobre a concorrência em casa, Olga é perentória: «A Lavradores de Feitoria (LdF) tem muito mais a ganhar com a minha relação com o Jorge do que sem ela. Aprendi com o grande grupo de amigos ligados ao Douro que temos todos de tratar de promover a nossa região muito mais do que alimentar concorrências cegas.» Além disso, o próprio Jorge já criou oportunidades de negocio para a LdF. Jorge corrobora a opinião da mulher: «Acho que estamos no Douro a servir o mundo inteiro, não estamos no Douro a lutar uns contra os outros.» Quando os vinhos são bons e interessantes têm personalidades próprias e no fundo não há concorrência. «Não me interessa nada que as pessoas só bebam o meu vinho. Eu luto é para que os vinhos tenham personalidade própria, exprimam a maneira de ser dos seus criadores e falem da sua proveniência.»
A diversidade é a chave para este casal. «Para mim, é inconcebível beber só o meu vinho, preciso de provar e conhecer tudo o que esteja ao meu alcance.» Dá um exemplo. «Eu sempre fui muito amigo do Jó (Jorge Serôdio Borges) e, afinal, até temos dois vinhos bastante falados, com filosofias próximas, o Poeira e o Pintas. Mas alguma vez me passa pela cabeça que somos concorrentes? Quando ambos começámos os nossos projetos pessoais, fazíamos os vinhos no mesmo armazém e nunca tivemos problemas. Sempre funcionou bem para os dois.»
E como é em casa essa questão da concorrência e o desabafo sobre os problemas do trabalho? «É claro que desabafamos», diz Olga. «Mas os assuntos morrem ali. Somos muito diferentes no modo como reagimos aos problemas ao fim do dia, e a casa é um bom tempero.» Além da Margarida, filha de ambos, ambos consideram os seus vinhos como filhos. «Acarinhamo-los sem diferenciação nem quaisquer conflitos de interesse.» Pelo contrário, «exploramos muitas sinergias, por exemplo quando vêm jornalistas de fora ou quando surgem oportunidades de negócio que podem ser úteis para todas as partes».
A família alargada, que vive toda por ali, é um bom apoio para o casal. «Dão-nos um apoio logístico muito forte e contínuo, são fantásticos», diz Olga. «Até o facto de escolhermos viver no Douro foi bem acolhido.» Ou quase. «Quer dizer, para as famílias foi uma decisão muito radical e para a mãe do Jorge foi até um pouco difícil de aceitar. Quando eu engravidei, apercebemo-nos de que estávamos no fim do mundo no tocante a assistência médica e eventuais emergências.» Não houve, contudo, dúvidas. «A Margarida nasceu completamente imersa neste mundo do vinho, com 4 meses estava na Vinexpo, em Bordéus! Eu amamentava-a de três em três horas e ao mesmo tempo estava a dar provas na feira.
Quando não estão fora, estão no Douro e até hoje não se arrependeram. «Eu tomei a decisão de vir viver para aqui em 2001, não fazia sentido viver e trabalhar em Gaia, longe do Douro. Para mim foi uma decisão profissional», diz Jorge. Estava o boom duriense a ocorrer e o enólogo achou que devia desinstalar-se. Abandonou uma vida profissional que estava a ser muito interessante, na Fine Wine Division da Real Companhia Velha, para «vir para o pé das vinhas».
O mundo também vem ter com eles ao Douro. «Temos sempre muita gente a vir e a partir.» Margarida tinha 2 anos quando disse aos pais que queria aprender inglês, «porque não percebia o que as visitas da nossa casa diziam!» O colorido da profissão traz também a complexidade. Jorge comenta: «Nestas vindimas geri o corte de mais ou menos mil hectares!» Cada decisão foi devidamente ponderada e refletida no terreno. «Isso quer dizer que é muito positivo para mim como enólogo trabalhar em vários sítios, com vários perfis de vinho.»
Continuam a provar os vinhos uns dos outros, mas menos. Para Jorge Moreira, «o trabalho dos Douro Boys (agrupamento de cinco produtores de topo) é muito importante, mas em termos de abertura do Douro foi menos bom». O motor do grupo era Dirk Niepoort
LSD e JRV
Joana Roque do Vale é engenheira alimentar de formação, enóloga de profissão e vinhateira dos quatro costados. É filha de Clara Roque do Vale, ex-presidente da CVR do Alentejo, e Carlos Roque do Vale, fundador da Roquevale, no Redondo, e da Herdade da Capela. É nesta última que Joana oficia. Luís Soares Duarte tem currículo de excelência nos vinhos do Douro e Porto. O seu nome está ligado a casas e marcas de primeira linha, e tem a sua própria empresa. Marcas como Momentos e Perfil têm o seu cunho pessoal.
Este casal simboliza o percurso Douro-Alentejo por que se pauta o consumo nacional de vinho. Duas regiões da preferência dos portugueses, um autor de cada banda. Joana no Alentejo, Luís no Douro. Concorrência é palavra que não se declina em casa, substituiu-se cedo por cumplicidade. Joana e Luís conheceram-se no ofício e permaneceram. Joana diz que «foi cultural, profissional», a forma como começaram, quando «não havia sequer a perspetiva de um relacionamento mais íntimo». Já se conheciam há muitos anos, em ações de formação e encontros profissionais. «Mas sem falarmos», diz Luís. «Passámos para um plano mais pessoal quando começámos ambos a ir ao Brasil promover os vinhos de cada um.» Quis o destino que tivessem o mesmo importador em terras de Vera Cruz.
Nos périplos pelo Brasil faziam provas em dez cidades brasileiras diferentes. «Em 2003 já íamos juntos, éramos dez produtores e ficámos muito unidos.» Outras paixões moviam também Luís, segundo Joana: «Tínhamos vários amigos em comum e os cogumelos fizeram o Luís ir muitas vezes ao Alentejo.» Pontes não faltavam, afinal. De sul para norte, as coisas poderão vir também a funcionar, pode ser que Joana faça um dia um vinho no Douro. «Não dá mais nem menos trabalho fazer um vinho no Alentejo do que no Douro», explica Joana. «A cultura do vinho, essa sim, é que é muito diferente», argumenta Luís, salientando que «o Douro é muito mais burocrático do que o Alentejo, é mesmo muito pesado, quando não devia ser».
As diferenças entre as duas regiões fazem-se sentir logo no tocante à vinha. Uma vinha velha tem para um alentejano 25 anos, ao passo que no Douro só é considerada velha a partir de 80. Joana e Luís evitam os confrontos territoriais. «Não sei se por respeito pelo trabalho do outro, tentamos fechar a porta quando entramos em casa e sobretudo não criticamos as coisas um do outro», comenta Luís. «Quanto a segredos profissionais e do setor, nem sequer temos tempo de conversar sobre o assunto.» Os filhos são também uma preocupação. «Temos uma espécie de filtro para que as questões profissionais não passem para eles», conclui.
Divide-os o modo de trabalho de cada uma das regiões. No Alentejo, trabalha-se com volumes grandes, no Douro os volumes por produtor são um pouco mais pequenos. «Mas nós vivemos de mãos dadas com o vinho como vivemos um com o outro. Estou convencido de que temos abordagens muito semelhantes; se trabalhássemos ambos no Alentejo, penso que faríamos as coisas da mesma maneira, com a mesma filosofia.» É a região que faz que os trabalhos e os vinhos sejam diferentes e não os autores.
Luís filosofa: «Estamos de passagem por este planeta.» Pretende dizer que é importante não falhar no essencial. «Por efeito da distribuição geográfica das nossas famílias, temos casa no Alentejo, Vila Real, Lisboa e Torres Vedras.» Percorrem todas ao longo do mês, com maior ou menor frequência. «Não dispensamos a família nem o convívio familiar», prossegue Luís, sem evitar que Joana contraponha: «Mesmo assim, isto é tudo muito teórico, é evidente que há prejuízos familiares que decorrem da nossa atividade.» À noite, diz Joana, «muitas vezes estamos agarrados ao computador em vez de estar em família, com os filhos».
Não enjeitam totalmente a hipótese de um dia virem a fazer um vinho a quatro mãos, mas já foi mais real do que é hoje. «Quando nos juntámos, pensámos que íamos fazer um vinho que fosse um mix Douro e Alentejo, mas depressa mudámos de ideias.» Os banhos das crianças, o jantar para fazer, etc., pouco tempo temos para pensar no vinho. «Só lá para as dez da noite», diz Joana. «O facto de termos ambos tido já outro casamento também nos obriga a fazer as coisas com lucidez e maturidade.» Exploramos, isso sim, sinergias entre nós. Por exemplo, se há uma feira internacional, em vez de irmos os dois vai só um, com os vinhos de ambos.
Sandra e Jorge
Sandra Tavares da Silva é a cara e o coração da Quinta da Chocapalha, em Alenquer. Teve sempre atividade dupla enquanto enóloga, entre as regiões do Douro e Lisboa. Jorge Serôdio Borges é enólogo em diversas casas e é um dos valores mais promissores do Douro. Desenvolveu com Sandra a marca Pintas.
Sandra e Jorge conheceram-se no Douro, na vindima de 1999. «Estava eu a estagiar na Quinta do Vale D. Maria e fazia a primeira vindima», conta a enóloga. «Tinha vindo de Itália, de um master, e aterrei aqui no Douro para estagiar, depois de uma conversa com o Cristiano van Zeller que acabou no convite.» Aceitou e nunca se arrependeu. Sem saber, Sandra estava a entrar para um grupo de jovens inovadores do Douro que se encontrava, praticamente todas as semanas, para provar vinhos. Foi nesse contexto que conheceu o marido. «Num dos muitos jantares que houve aqui, o Jorge veio ao Vale D. Maria com o Dirk Niepoort, e foi aí que o conheci.» Acabou o estágio duriense, regressou a Lisboa. «Mas queria muito voltar para aqui.»
Em Jorge gostou «dos ideais e do feitio temperado». «Somos muito parecidos», diz, de olhos acesos. Sandra não se considera concorrente de Jorge. «Eu acho que isso não existe.» Explica: «Quando estamos a fazer os vinhos até fazemos os lotes juntos, não só eu e o Jorge, mas também alguns amigos nossos.» O vinho feito festa, dentro e fora de casa. Ajuda que ambos gostem de provar vinhos em conjunto, o que entre enólogos pode ser um pouco desafiante. «Nós os dois somos diferentes a provar, mas eu gosto disso, de não procurarmos as mesmas coisas num vinho.» As dissonâncias trazem diálogo e oportunidade de crescer. «Temos abordagens diferentes, somos complementares e nenhum dos dois imagina as coisas doutra maneira.»
Tal como Joana Roque do Vale e Luís Soares Duarte, Sandra e Jorge são um casal multirregião, repartindo-se entre a Quinta de Chocapalha (Lisboa) e o Pinhão (Douro). As sinergias criadas são mais interessantes do que preocupantes. «Eu mostro sempre os vinhos de Lisboa quando mostro os vinhos do Douro, e vice-versa», conta a enóloga. Além disso, explica Sandra - que Jorge estava fora do país durante esta visita -, ambos partilham a mesma abordagem e filosofia de criação de vinhos, fator de cumplicidade no casal. A saber: «A intervenção mais importante é feita na vinha, não há muita manipulação enológica excessiva.» O trabalho do enólogo não deve ser invasivo, deve, antes, respeitar o que a vinha dá.
Divididos pelo vinho e pelas estradas, Sandra e Jorge raramente estão os dois ao mesmo tempo em casa. Agora com três filhos - tiveram gémeos há um ano -, «ficou tudo bastante mais complicado, mas só em termos logísticos», desabafa Sandra. Mas não trocava por nada. «Acho um privilégio trabalhar no Douro e viver no Douro. Claro que há nevoeiros que duram uma semana inteira, mas isso faz parte de viver aqui. Nunca conseguiremos estar num só sítio.» Em sua casa «há sempre muitas visitas ao longo do ano. Pessoas que vêm de longe para conversar connosco, provar os nossos vinhos e conhecer a região».
A marca Pintas tem muito que ver com este casal. «Um vinho sério não tem de ter um nome sério. Ficou Pintas porque um dia estávamos todos pintalgados de vinho enquanto falávamos sobre um nome possível e de repente surgiu Pintas.» Mais tarde, apareceu um cão, assim também cheio de pintas, «e foi mais do que evidente que deveria chamar-se Pintas, foi inequívoco».
O projeto futuro passa por um novo filão enológico. «Estamos muito felizes por ter ficado com a Quinta da Manuela, no Vale de Mendiz», comenta Sandra. «Fizemos agora o Quinta da Manoella VV, vinho feito a partir das parcelas velhas da quinta, e estamos muito satisfeitos.» O vinho do Porto está na mira do casal, explorando os vinhos velhos existentes na quinta para juntar ao portfólio de vintage já existente.