"O vício é maior no jogo ilegal por falta de apoio"

Pedro Hubert é psicólogo e técnico de aconselhamento em adições no Instituto de Apoio ao Jogador, de que também é coordenador. Faz investigação na área do tratamento e seguimento pós-tratamento de jogadores patológicos e a sua tese de doutoramento teve como título "Jogadores patológicos offline e online em Portugal: caracterização e comparação".
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O jogo ilegal pode criar mais vício do que o legal?

É capaz de ser mais aditivo. Porque não tem a componente de jogo responsável que todos os sites legalizados são obrigados a ter: a linha de apoio, a possibilidade de o jogador pedir para ser impedido de jogar. Nesses sites ilegais isso não existe, não há medidas de prevenção. O que favorece a adição.

As máquinas também são programadas para levar a pessoa a jogar mais...

Li que são preparadas para dar mais prémios no início do mês quando a pessoa tem mais dinheiro para ir jogar. Depois o sistema vai-os reduzindo.

E há a questão do valor dos prémios como chamariz...

Que são prémios maiores pois a organização não paga impostos. E isso também é mais atrativo para o jogador.

O facto de serem ilegais não afasta as pessoas?

O que se sabe é que as pessoas estão num grau tão grande de dependência que estas questões da ilegalidade até são mais um apelativo. Por exemplo, uma pessoa que percebe de desporto, futebol por exemplo, e está a perder, se for preciso vai apostar no hóquei no gelo na Islândia para tentar recuperar o dinheiro que perdeu. E essas máquinas acabam por ser mais um chamariz.

Porque podem ser programadas?

Os algoritmos podem ser programados, sim. Quem o faz pode, por exemplo nas slot machines, decidir que a pessoas falha o prémio apenas por uma imagem [é conseguido se todas as imagens do ecrã forem iguais] e isso vai fazer que as pessoas continuem a jogar. Como não há fiscalização tudo isto faz aumentar o carácter de vício da pessoa.

E quem aposta não dá pelo grau de envolvimento que atingiu?

Quem tem ganhos numa fase inicial, e aquilo [as máquinas] pode estar feito para dar prémios ao princípio, cria uma memória seletiva e fica a pensar "se isto dá dinheiro vou continuar a jogar". As organizações conseguem adaptar-se em tempo real ao perfil do jogador. É incrível a sofisticação a que se chega.

No seu trabalho no Instituto de Apoio ao Jogador tem sido procurado por pessoas que apostam em jogos ilegais?

Em termos de prática clínica é raro receber pessoas que joguem ilegalmente, já tive algumas que o faziam tanto legal como ilegalmente. Mas essas tinham mesmo vontade de jogar. E é curioso como confiam nesses jogos. Mostra o estado em que estão. É mesmo patológico.

Quais são as populações de risco? As mesmas do jogo legal?

São os jovens adultos e a terceira idade (reformados, pessoas com mais de 60 anos,) que não têm nada para fazer e têm liquidez. E de facto são jogos diferentes. Os mais novos apostam no online e os mais velhos nas slot machines. E o facto de haver as duas ofertas mostra como as organizações estudam bem o mercado ilegal.

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