O vício da traição

As mulheres são tão infiéis como os homens. E procuram as mesmas coisas. Desafio, afeto, satisfação sexual ou as três coisas. Uma reportagem sobre o tema, trazido a lume pelo filme português <i>A Moral Conjugal</i>, mostra como há mulheres que são infiéis crónicas. Como os homens.
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«Estou metida numa embrulhada. Cheguei a um ponto em que não sei quem estou a trair: se o meu marido, se o meu namorado.» O desabafo é de Paula (nome fictício), 42 anos, de Lisboa. Habituada a trilhar os caminhos da infidelidade - traiu o ex-marido cinco vezes e o atual quatro -, sempre os percorreu com se fossem gavetas que abria e fechava conforme o apetite. As ocupações profissionais dos parceiros facilitavam, e facilitam, as escapadelas. O primeiro viajava muito, o segundo trabalha à noite. «Conseguia conciliar tudo, sem confusões. Uma coisa era a minha vida familiar, outra as minhas aventuras. Não as misturava.» Isso, antes. Agora, é diferente. Paula apaixonou-se pelo mais recente amante. E está confusa.

Muitas mulheres, nesta situação, divorciam-se. Como testemunha o psiquiatra e terapeuta familiar José Gameiro, «elas, mais do que eles, tomam a iniciativa de romper com o casamento quando se apaixonam por outra pessoa». No entanto, deixar o marido para partir, inteira, para a relação extraconjugal que mantém há seis meses com um português que vive em Barcelona não é saída que Paula equacione. «Não desta vez» ou, «pelo menos, para já». «Isso privaria os meus filhos do convívio diário com o pai. Eles são muito ligados. Além disso, eu gosto do meu marido, apesar de já não estar apaixonada por ele». A paixão pelo atual marido fez que deixasse o anterior. Por isso, «desta vez», fará o que a experiência a aconselha: esperar. Porque sabe que «a paixão não dura para sempre», «que o que a liga hoje ao namorado não será tão forte daqui a um ano».

As expetativas de Paula podem sair goradas, ao contrário do que espera. Se o estado de paixão num casal que partilha o mesmo teto dura em média 18 meses (é o que estimam os estudiosos do assunto), no caso dela, que vive uma relação extraconjugal à distância, esse empolgamento pode prolongar-se. «Quando duas pessoas vivem uma relação clandestina e estão longe uma da outra», admite José Gameiro, «é mais fácil manter a chama acesa durante mais tempo, pois não estão sujeitos ao desgaste da rotina».

Para Paula tudo se complicou quando o amante a pediu em namoro. «Não o queria perder, estou muito apaixonada por ele. Que razões tinha eu para recusar? Dizer-lhe que sou casada?» A distância que a separa do namorado e o horário de trabalho do marido facilitam a gestão de uma vida paralela. «Falo com ele todas as noites pelo Skype e encontrámo-nos uma vez por mês em Barcelona, em fins de semana prolongados. Como tenho um trabalho que me obriga a deslocações frequentes, o meu marido não estranha as minhas ausências.»

«Gosto de sentir que tenho o poder de seduzir»

A infidelidade não é tema novo. É explorado em livros, filmes, artigos. Por isso, já não surpreende nem choca dizer-se que não é coisa só de homens. As mulheres também são infiéis e sempre o foram, só que agora admitem-no mais, pelo menos em inquéritos anónimos e nos consultórios dos terapeutas. O aparecimento da pílula contracetiva nos anos de 1960 contribuiu para a mudança, uma vez que «veio libertar a sexualidade da reprodução, abrindo-se, a partir daí, novos caminhos ao prazer sexual», explica a presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, Ana Carvalheira, que liderou um dos maiores estudos realizados em Portugal sobre a sexualidade dos portugueses, em 2007 e 2008. Também a transição das mulheres da redoma doméstica para o mercado de trabalho nas décadas mais recentes permitiu-lhes uma dupla conquista: independência financeira e possibilidade de expandir a sua rede de afetos, justamente porque «têm mais acesso aos estímulos externos». Não estando confinadas à lida da casa e ao cuidado com os filhos, as mulheres são mais exigentes na cama. Ana Carvalheira não tem dúvidas da relação causa-efeito da emancipação feminina: «A sexualidade saiu do contexto da obrigação, levando-as a uma vivência mais livre do sexo e da procura do prazer.»

Nos dias que correm, quase todas as mulheres em idade ativa trabalham (se excluirmos os casos de desemprego, claro). O que por si as posiciona num cenário de risco - o de cederem a tentações. E «nos casos em que as relações preferenciais não são boas, esse risco é maior», como admite a sexóloga Marta Crawford, apresentadora do programa 100 Tabus, na SIC Mulher. «Quando se vive uma relação sexual e emocional insatisfatória, todos os outros que estão à volta podem ser potenciais amantes.»

Se hoje, mais do que nunca, as mulheres se sentem livres para perseguir o prazer sexual, não o encontrando em casa, muitas buscam-no fora. E nesta procura deixou de fazer sentido assinalar diferenças de género, como no passado. As estatísticas da infidelidade e os testemunhos dos especialistas demonstram esta mudança de paradigma - as mulheres traem quase tanto como os homens, embora eles, assegura José Gameiro, sustentado nos casos que lhe aparecem no consultório, «sejam mais gabarolas», admitindo a traição com mais alarde do que as mulheres. Elas, «ainda por questões culturais, vivem a infidelidade de uma forma mais discreta, podendo escondê-la até da mais íntima das amigas».

É o secretismo das paixões que dão «pica» a Paula. É um «jogo» a que não resiste. «Como se fosse um vício, uma droga. Sempre fui sedutora, reconheço. Em qualquer contexto e em quase tudo o que faço, tento seduzir: na maneira de vestir, de andar, de falar, de me sentar, de olhar para as pessoas. Gosto de sentir que tenho esse poder, o poder de seduzir.» Embora não viva assombrada pela probabilidade de ser descoberta, tem momentos em que a teme: «O meu namorado tem pânico de andar de avião, por isso estou descansada. Espero que um dia não decida surpreender-me, aparecendo em minha casa. Tremo só de pensar nisso. Ao mesmo tempo, acho que esse receio aumenta o meu entusiasmo.» Para os especialistas, este empolgamento não é estranho, podendo nalgumas pessoas ter um efeito afrodisíaco. Explica Marta Crawford: «Muitas mulheres sentem um vazio tão grande nas suas relações preferenciais que necessitam de recuperar a adrenalina que antes alimentava o seu casamento. E se a encontram noutros homens, o secretismo torna-se um desafio estimulante.»

Exemplos de infidelidade sistemática como o de Paula «não são muito frequentes». José Gameiro acredita mesmo que «são raros». No entanto, um estudo de 2009 sobre a vida amorosa nacional, encomendado pelo canal Odisseia à Eurosondagem, revela que a diferença entre os infiéis crónicos e os infiéis pontuais é ténue: 15 por cento dos portugueses (25 por cento dos homens e seis por cento das mulheres) admitiram trair regularmente e 14 por cento afirmaram ser infiéis raramente. Significativa é a percentagem (58 por cento) dos que nunca se deixaram tentar pelo fruto proibido... por muito apetecido.

O que levará as pessoas a serem infiéis é questão que tem ocupado gente dos mais diversos quadrantes e que não resistiram a debitar máximas sobre o tema. A do escritor Alexandre Dumas Filho, por exemplo, questiona a monogamia: «O casamento é um fardo tão pesado que precisa de dois para carregá-lo - às vezes, três.» Só que a infidelidade não se confina ao adultério. A primeira incursão de Paula numa relação triangular foi antes de dar o nó com o primeiro marido. Namorava com ele há três anos e traiu-o com um rapaz que encontrava todas as tardes no autocarro, depois da faculdade. «Um dia, ele não continuou viagem. Saiu na minha paragem, apresentou-se e trocámos números de telefone fixos. Não havia telemóveis.» Assim que Paula meteu a chave à porta, ouviu o telefone tocar. Desejou que fosse ele. Era. O que se passou depois adivinha-se. Durante seis meses, andou com o rapaz do autocarro às escondidas. Acabou quando ele se tornou «obsessivo», perseguindo-a até casa.

Com o namorado, a relação era «morna» e assim se manteve, seguindo o percurso esperado com a marcação da data de casamento. Mas antes de chegar ao altar, voltou a cair em tentação. Dessa vez, por um colega de trabalho. «Trabalhávamos até muito tarde, passávamos muitas horas juntos. Ele era casado, mas bastou dizer-lhe "Esta noite sonhei contigo e não vou contar-te pormenores. Ficaria corada."» O caso durou dois meses. Casou com o namorado pouco depois. Apaixonada não estava - «afinal, quem é que está num relacionamento de vários anos?» -, mas garante que nos primeiros tempos dedicou-se de corpo de alma ao casamento: «Gostei do conforto de ter uma casa, um marido, da ideia de aumentarmos a família.» O que mudou, então, para ao fim de quatro anos se envolver com outra pessoa? «Comecei a sentir falta do fator surpresa, do desconhecido. Sabe, aquele borboletar no estômago que nos faz estar sempre impecáveis e ter a depilação em dia? No meu caso acontece isso: quando chego ao ponto de não me importar com os pelos nas pernas, é porque alguma coisa na relação não está bem.»

«A rotina mata quase tudo»

Luísa, 39 anos, bancária, também acusa a rotina de desgastar a vida a dois, por muito boa e estável que seja. «Mata quase tudo. No meu caso, só não matou o carinho.» Das três vezes que traiu o parceiro de há 12 anos, foi por lhe faltar «aquele entusiasmo» que antes a impedia de sair para a rua maquilhada e com roupas bonitas. «Para o meu marido deixou de fazer diferença que eu vista uma T-shirt desbotada ou um vestido decotado. Já não me diz, como antes: "Uau, para onde vais hoje sem mim?".» Luísa tem bem marcado na memória o início do afastamento: «Estava grávida de oito meses. Fiz uma barriga enorme. Uma noite, disse-me que ia dormir no quarto de hóspedes para eu ter mais espaço na cama.» A filha nasceu e o marido continuou no quarto ao lado. «Não me procurava. Primeiro pensei que era por estar a amamentar. Talvez lhe fizesse confusão. O leite saía-me dos mamilos a todo o momento, eu tinha de colocar discos protetores no soutien para não sujar a roupa. Além disso, engordei vinte quilos e demorei a recuperar a silhueta (na verdade, nunca a recuperei).» A escassez de momentos a sós, agravada pela falta de familiares perto de casa com quem pudessem deixar a filha para jantarem e irem ao cinema (enfim, namorar), terá aumentado a distância entre os dois. A dada altura, a vida conjugal de Luísa ficou reduzida a uma mera gestão logística e financeira. «Era uma seca e uma tristeza. Não me sentia viva», desabafa.

Quando reparou num homem que a olhava fixamente no restaurante onde almoçava, recuperou o ânimo. «Lembro-me da ansiedade que senti no dia seguinte, antes da hora de almoço. Pensava "será que vou encontrá-lo?".»Não só o encontrou como almoçou na mesa dele. Um mês depois, dormiram juntos na cama de um hotel. Durou oito meses esta relação secreta. Depois dessa, seguiram-se outras.

A satisfação sexual fora do casamento, no caso de Luísa, «veio melhorar as coisas» dentro de casa. «Já não conto os dias em que eu e o meu marido estamos sem fazer amor. Não sei se é por andar bem-disposta e satisfeita nesse aspeto, a verdade é que antes refilava com ele, queixava-me, acusava-o de já não gostar de mim, do meu corpo. Agora, não faço disso um drama. Deixo andar.» Deixar andar, sendo o divórcio uma opção, é a escolha de muitas mulheres que procuram nas relações extraconjugais apenas satisfação sexual. «Deixar o meu marido está fora de questão. É a diversão, é o sexo puro e duro que me leva a envolver-me com outros homens.»

«Só largo um quando já estou envolvida com outro»

Os métodos e os locais convencionais de expandir a lista de contactos - em casa de amigos ou encontros casuais nos vários sítios que se frequenta - deixaram de ser o meio mais fácil e célere de conhecer potenciais amantes. Com o aparecimento das redes sociais e das salas de chats e de sites que promovem encontros online, as relações íntimas são cada vez mais desencadeadas por amizades virtuais. Helena, 40 anos, uma agente imobiliária de Setúbal, iniciou no Facebook as suas escapadelas.

Começou por aceitar amizade só de amigos reais. Depois, foi aumentando a lista com os amigos dos amigos. Certa noite recebeu uma mensagem privada que lhe chamou a atenção: «Era de um homem. Recebo muitas, mas aquela estava muito bem escrita, com sentido de humor. A curiosidade levou-me a espreitar o perfil dele. Pela fotografia, pareceu-me muito giro. Respondi-lhe com um simples olá.» A partir daí, aconteceu tudo muito depressa em ambiente virtual: «Ao fim de uma semana estávamos a trocar mensagens superpicantes.»

O encontro pessoal tornou-se irresistível. «Enrolámo-nos no primeiro encontro.» Helena tinha namorado. Não vivia com ele, mas falavam em juntar os trapos. «Tive de terminar. Não consigo dormir com um homem e depois encontrar-me com outro. Terminei com o meu namorado.» Começou a namorar com o homem do Facebook e foram «felizes durante uns tempos, mas depois... o encanto foi-se». Outros amigos virtuais entraram na vida de Helena. O problema, diz, é que conhece-os e apaixona-se por eles quando está comprometida com outra pessoa: «É sempre assim. Parece que sigo um padrão. Só largo um depois de me ter apaixonado por outro.»

Neste momento, Helena não está a trair ninguém. Está livre há três meses e não é por lhe faltarem pretendentes. «A questão é que a maior parte dos homens que me abordam na internet são casados. Muitos, são pais há pouco tempo. Eu não gosto de estar sozinha, reconheço, mas se há coisa que recuso é sair com homens casados. Posso ser infiel, mas não sou destruidora de lares. No fundo, no fundo, o que procuro é uma relação séria com alguém que me faça sentir especial, apaixonada. Acho que é isso que toda a gente quer, não é?»

«Novidade e transgressão potenciam desejo»

Ana Carvalheira, sexóloga e presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica.

O que leva as mulheres a trair os parceiros com frequência?

_Alguma coisa mobilizou o seu desejo para outro objeto. Além do estado de encantamento, outros elementos que potenciam o desejo feminino são a novidade e a transgressão.

É possível viver num estado permanente de paixão?

_Não. Nem o corpo aguentaria. O estado de paixão tem um tempo de vida muito curto. Os estudos científicos apontam para dois a três anos, ao fim dos quais a paixão se esbate para outros matizes que têm mais que ver com a intimidade.

São imaturas as pessoas que procuram esse estado, saltando de paixão em paixão?

_Creio que sim. Esse comportamento pode revelar imaturidade e incapacidade para estarem numa relação paritária. São pessoas que têm muita necessidade de atenção e de se sentirem desejadas. Por isso privilegiam o jogo de sedução.

Hoje, as mulheres assumem mais a infidelidade?

_Assumem mais sim, mas assumem menos que os homens, porque persiste ainda uma grande penalização da infidelidade feminina, sobretudo nas sociedades herdeiras da cultura judaico-cristã. Isto explica também o facto de as mulheres começarem a trair mais tarde, pois a ideia do amor romântico e de «uma relação para toda a vida» fez parte da socialização das mulheres.

Mas nas mulheres as relações de longa duração resultam muitas vezes na perda do interesse sexual...

_É verdade. Estudos científicos têm revelado que o desejo sexual feminino é negativamente afetado pela duração da relação, o que não acontece com o desejo masculino. Ou seja, o casamento de longa duração é prejudicial ao interesse sexual das mulheres.

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