O Verão pode tornar-se "demasiado quente para os humanos"

Especialistas alertam que a subida das temperaturas deixa cada vez mais pessoas expostas ao stresse por calor, com consequência graves para a saúde.
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Milhões de pessoas em todo o mundo podem ser expostas a níveis perigosos de stress por calor, uma condição perigosa que pode causar a falência de órgãos vitais. À medida que o aquecimento global se evidencia, aumentam as hipóteses de o Verão tornar-se "demasiado quente" para os humanos, alertam especialistas a nível global, ao verem as temperaturas atingirem valores demasiado elevados nos meses de Verão. Estima-se que o stresse causado pelo calor poderá afetar 1,2 mil milhões de pessoas em todo o mundo até 2100.

Na atualidade, muitas pessoas vivem em países em desenvolvimento onde realizam trabalhos que as expõem a condições potencialmente fatais. É o caso de trabalhos ao ar livre em quintas e estaleiros de obras ou em ambientes fechados como fábricas e hospitais.

Jimmy Lee, médico de emergência, trabalha no calor sufocante de Singapura onde cuida de doentes com Covid-19. Não há ar condicionado - uma escolha deliberada para impedir a propagação do vírus - e o médico percebe que ele e os seus colegas tornam-se "mais irritáveis". E o equipamento de proteção pessoal, essencial para evitar infeções, piora as coisas criando "um 'micro-clima" sufocante sob múltiplas camadas de plástico.

"É realmente desconfortável ao longo de um turno inteiro de oito horas. Afeta o moral", relata Jimmy Lee ao editor de ciência da BBC, David Shukman.

Percebe que o superaquecimento pode diminuir a capacidade de fazer algo que é vital para uma equipa médica: tomar decisões rápidas. Outra desvantagem é que podem ignorar os sinais de alerta do chamado stresse por calor - como náuseas - e continuar a trabalhar até desmaiar.

Fala-se de stresse por calor quando o corpo é incapaz de arrefecer adequadamente, com a sua temperatura central a continuar a subir a níveis perigosos em que os principais órgãos podem desligar. Isto acontece quando a principal técnica para eliminar o excesso de calor - a evaporação do suor na pele - não pode se concretiza por o ar estar muito húmido.

Segundo Rebecca Lucas, que investiga fisiologia na Universidade de Birmingham, os sintomas podem passar por náuseas, desmaios e desorientação a cãibras e falhas nos intestinos e rins. "Isto pode tornar-se muito grave quando a pessoa superaquece em todas as áreas do corpo."

Para identificar o stresse por calor, existe um sistema conhecido como temperatura global de bulbo húmido (WBGT, na sigla em ingês) que mede o calor, mas também a humidade e outros fatores, para fornecer uma descrição mais realista das condições. Quando a WBGT atinge 29º C, por exemplo, a recomendação é suspender o exercício para quem não estiver habituado.

No entanto, esse é o nível que Jimmy Lee e os seus colegas estão a experimentar regularmente no Hospital Geral Ng Teng Fong de Singapura. E no topo da escala - quando o WBGT registra 32º CC - os EUA dizem que a atvidade extenuante deve parar porque o risco torna-se "extremo".

Trabalhar com mais de 41º C

Mas níveis tão altos foram recentemente registados nos hospitais de Chennai, na Índia, pela professora Vidhya Venugopal, da Universidade Sri Ramachandra. A especialista também encontrou trabalhadores numa salina que suporta uma WBGT que sobe durante o dia para 33° C, altura em que precisam procurar abrigo. E numa indústria siderúrgica, foi registado um nível de 41,7° C, estando os trabalhadores entre os mais vulneráveis ​​ao "enorme calor".

"Se isso acontece dia após dia, as pessoas ficam desidratadas, há problemas cardiovasculares, pedras nos rins, exaustão pelo calor", diz Vidhya Venugopal.

À medida que as temperaturas globais aumentam é provável que haja humidade mais intensa, o que significa que mais pessoas serão expostas a mais dias com essa combinação perigosa de calor e humidade.

Richard Betts, do Met Office do Reino Unido, executou modelos de computador que sugerem que o número de dias com um WBGT acima de 32ºC deve aumentar, dependendo se as emissões de gases de efeito estufa são reduzidas.

Explica os riscos para milhões de pessoas que já precisam trabalhar na desafiadora combinação de calor extremo e alta humidade: "Nós, seres humanos, evoluímos para viver numa faixa específica de temperaturas. É evidente que, se continuarmos a fazer com que as temperaturas subam no mundo inteiro, mais cedo ou mais tarde as partes mais quentes do mundo poderão começar a ter condições simplesmente quentes demais para nós."

Outro estudo, publicado no início deste ano, alertou que o stresse causado pelo calor poderá afetar 1,2 mil milhões de pessoas em todo o mundo até 2100, quatro vezes mais do que agora.

Para combater este calor extremo, adianta Jimmy Lee, as pessoas precisam beber muitos líquidos antes de começarem a trabalhar, fazer intervalos regulares e depois beber novamente quando descansarem. Mas admite que evitar o stresse por calor é mais fácil dizer do que fazer.

Jason Lee, professor associado de fisiologia da Universidade Nacional de Singapura e líder de um grupo especializado nos perigos do calor excessivo, a Global Heat Health Information Network, diz que, além de medidas como descanso e líquidos - e sombra para trabalhadores externos -, uma estratégia chave para resistir ao stresse térmico é a adequação. "Ao manter-se em forma, a pessoa aumenta a sua tolerância ao calor e há outros benefícios também."

Vê o desafio dos médicos, suando dentro dos seus equipamento de proteção individual ao lidar com o Covid-19, como "quase como um ensaio completo" para futuros aumentos de temperatura.

"Esta alteração climática será um monstro maior e realmente precisamos de um esforço coordenado entre as nações para preparar-nos para o que está por vir. "Se não for feito", alerta, "haverá um preço a pagar".

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