O único magnata nepalês vem em socorro do povo
Da fama guerreira dos gurkhas à excelência trepadora dos sherpas, os conquistadores do Evereste, o Nepal recorre a todas as armas para afirmar a sua individualidade, tão encravado que está entre a China e a Índia, dois gigantes. Também o único magnata nepalês, Binod Chaudhary, quer dar o exemplo, ele que desde 2013 surge nessa lista da Forbes em que aparecem quase 300 chineses e uma centena de indianos. E desde o primeiro momento do sismo no Nepal, em finais de abril, veio em socorro do seu povo, um dos mais pobres do mundo. Agora, em entrevista à rádio Voz da América, promete reconstruir casas e escolas, o que pode fazer toda a diferença para os oito milhões de afetados pelo terramoto, cerca de um terço dos nepaleses. A contagem dos mortos, essa, passa já dos oito mil e não para.
Dono de uma fortuna avaliada em 1,3 mil milhões de dólares, e com negócios que vão das telecomunicações ao cimento, passando pelos noodles, Chaudhary acredita que pode mesmo fazer a diferença no seu país. E bastam contas simples para o demonstrar: se Bill Gates, fundador da Microsoft e o mais rico do mundo com 79 mil milhões de dólares, possui tanto dinheiro como o que milhão e meio de americanos ganham por ano, o nepalês tem o equivalente ao salário de dois milhões dos seus compatriotas.
É preciso não esquecer que, com 600 dólares de rendimento médio por habitante, o Nepal surge em 176.º na hierarquia da riqueza das nações, segundo o CIA World Fact Book, com Moçambique logo acima e a Somália uma posição abaixo.
Em abono deste país de maioria hindu (80% dos 26 milhões de habitantes) diga-se que o índice de desigualdade não é dos piores, sendo ao nível do da França e melhor que o de Portugal. E, comparando com os tais dois vizinhos gigantes, o Nepal é uma sociedade menos desigual do que as da Índia e da China, o que não impediu que uma guerrilha maoista tivesse lutado pela revolução e feito cair a monarquia em 2008.
Com 60 anos celebrados dias antes do terramoto, Chaudhary tem já uma longa tradição de filantropia, não esquecendo que o seu pai, fundador do império familiar, começou por uma pequena loja de tecidos antes de fazer fortuna.
Mas este sismo afetou-o muito a título pessoal, como contou o editor da sua autobiografia à Voz da América. É que em 2010 o magnata nepalês estava com a mulher no Chile quando ali ocorreu um dos dez mais fortes terramotos dos últimos cem anos. E terá percebido como o dinheiro às vezes conta tão pouco, sobretudo quando a morte escolhe sem olhar a quem.
Seja para aliviar a consciência ou seja por patriotismo ("Devemos tudo o que temos ao Nepal", costuma dizer o empresário), aquilo que Chaudhary vai fazer merece aplauso. Para já, são mil casas temporárias montadas em seis meses. Muito associada à ética protestante (caso do americano Gates), a filantropia afinal pode afirmar-se noutras culturas. E os magnatas não têm de ser gente egoísta, alheados da pobreza que, muitas vezes, os rodeia.