"O único consenso político é o da indispensabilidade do SNS"

Última entrevista de João Lobo Antunes, feita um mês antes de ter morrido, é hoje publicada na revista + Vida. O neurocirurgião fala do SNS e conta a sua ligação à CUF
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"Talvez o episódio mais dramático que vivi foi o acidente de Joaquim Agostinho e a trágica desilusão de não ter podido fazer mais. Vê-lo na sala de urgência, ainda equipado com a camisola do Sporting (...) É uma imagem inesquecível. Levei-o para a sala ainda sem anestesista e operei-o sem ter feito TAC, tal a urgência e a convicção do diagnóstico (que estava correto). Quando acabei a operação, estava um arco-íris lindíssimo e pensei que ele ia viver." A história é contada na primeira pessoa por João Lobo Antunes, numa entrevista dada em setembro - um mês antes de ter morrido (27 de outubro), vítima de cancro - à revista +Vida da CUF e da José de Mello Saúde.

O testemunho do cientista e neurocirurgião, falecido aos 72 anos, foi transformado numa edição especial daquela publicação quadrimestral que vai para todas as unidades da CUF hoje e amanhã.

"João Lobo Antunes acompanhou a história do Hospital CUF Infante Santo nos últimos trinta anos, tendo contribuído fortemente para o seu desenvolvimento", escreveu o presidente do Conselho de Administração da José de Mello Saúde, Salvador de Mello, no editorial da revista, onde explicou que decidiu manter, conforme estava previsto, a entrevista do neurocirurgião para a presente edição como forma de homenagear o médico, uma referência na saúde e na ciência em Portugal.

Na entrevista de três páginas - com o título "A medicina não pode perder a sua face humana" -, João Lobo Antunes falou do Sistema Nacional de Saúde, do desenvolvimento da medicina em Portugal, avalia os setores público e privado e contou a sua experiência no Hospital CUF Infante Santo, onde começou a trabalhar em 1984, conciliando com a sua atividade na Faculdade de Medicina e no Hospital de Santa Maria. "Devo dizer que a primeira experiência [no Hospital CUF] não foi muito entusiasmante, porque havia uma alegre sardinhada no pátio (...). Mas a tradição bem sólida de qualidade e reputação dos médicos que lá trabalhavam bastaram para me decidir", explicou Lobo Antunes, adiantando que nunca lamentou ter regressado a Portugal para prosseguir a sua atividade profissional.

João Lobo Antunes tirou a licenciatura em Medicina pela Universidade de Lisboa, em 1971, com uma média de 19,47. Quando terminou o curso exerceu clínica no Hospital Júlio de Matos, mas, ao fim de três anos, foi para Nova Iorque, onde trabalhou no Instituto de Neurologia da Universidade de Colúmbia (entre 1971 e 1984). E foi também lá que se doutorou.

Depois de mais de uma década a viver nos Estados Unidos, decidiu regressar a Portugal em 1984. Começou a dar aulas na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa - onde chegou a presidir ao Conselho Científico -, foi diretor do serviço de neurocirurgia do Hospital de Santa Maria e cirurgião no Hospital CUF Infante Santo.

Muitos foram os momentos marcantes da sua longa relação com a CUF, como o próprio confessou. Mas, de todos, houve um que escolheu como o mais dramático: o do acidente do ciclista do Sporting Joaquim Agostinho, a 10 de maio de 1984, na quinta etapa da Volta ao Algarve. Uma queda com fratura craniana que levou o ciclista até às mãos de Lobo Antunes, o qual lamentou não o ter conseguido salvar - "a trágica desilusão de não ter conseguido fazer mais".

O homem que até morrer liderou a Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida , na entrevista à +Vida congratulou-se com a evolução da medicina e da saúde nas última décadas, apesar de reconhecer que ainda há muitos obstáculos para vencer. "Há evidente e consolador progresso, em parte impulsionado pelo desenvolvimento de grupos científicos muito fortes. Os programas de treino são mais bem coordenados e a exigência de qualidade é maior. Continua, no entanto, a haver uma grande variabilidade na qualidade técnica e clínica e uma dificuldade em aceitar que é necessário elevar o patamar de exigência."

O neurocirurgião, que recebeu o Prémio Nacional de Saúde 2015, deixou a vida com a certeza de que o "único consenso político é o da indispensabilidade do Serviço Nacional de Saúde" e que o futuro da medicina será "sempre risonho porque o domínio da sua ação não para de crescer."

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