O último prego no caixão do bloco central?

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Convém não desvalorizar o que ontem se passou no Parlamento com o chumbo da eleição de Correia de Campos (PS) para presidente do Conselho Económico e Social. A indigitação resultou de um acordo prévio entre o PS e o PSD - acordo indispensável porque a eleição carecia de dois terços de votos favoráveis e continua a não haver maneira de reunir essa maioria sem que os dois maiores partidos se entendam.

Resumindo a aritmética parlamentar o mais possível: PS e PSD somam 175 deputados (86 do PS e 89 do PSD). É mais do que suficiente para uma maioria de dois terços dos 230 (essa maioria faz-se com 153). Ontem, os dois terços necessários só precisavam de 147 deputados (porque se estabeleciam em relação ao número de deputados presentes, 221). Correia de Campos falhou a eleição porque não teve mais do que 105 votos favoráveis. Ou seja: o acordo PS-PSD ficou a milhas de se cumprir.

Tendo o voto sido secreto, é difícil dizer de quem foi a culpa. É bem provável que alguns deputados socialistas tenham recusado contribuir para a eleição de Correia de Campos (uma personalidade notoriamente conotada com a ala direita do PS porque defendeu em tempos o plafonamento da Segurança Social e sempre combateu no setor da Saúde a existência da ADSE). E o resto da esquerda notoriamente também não alinhou na sua eleição, sendo certo que, à direita, o CDS não tinha nenhum compromisso. Portanto, branco é, galinha o põe: havia um acordo PS-PSD e o acordo falhou.

É temerário em política ditar sentenças finais. Mas o que ontem aconteceu com Correia de Campos significa, taxativamente, mais um prego no caixão da instituição que formatou a consolidação do regime democrático: o bloco central. Ou seja, o regime assente na partilha de interesses (e de nomeações, no caso) entre dois partidos que na substância foram sempre complementares e só na aparência adversários ou concorrenciais: o PS e o PSD.

É certo que o fim do bloco central corre contra a previsibilidade do regime. Pode até gerar bloqueios como o que ontem aconteceu. Mas corre a favor da clarificação no sistema. Os adversários são adversários; os aliados são aliados. A votação de ontem diz ao PS que cada vez que tiver de fazer entendimentos com o PSD não só se arriscará a não ter os votos do PSD como garantidamente não terá os da esquerda (inclusivamente os de alguns deputados do PS).

O que ontem esteve em causa não foi só o destino político de um homem e de um determinado cargo. Foi o fim das lógicas pantanosas de distribuição de lugares (e de negócios) entre os dois maiores partidos. Não é pouco - é mesmo muito mais do que há uns meses imaginaríamos possível.

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