O último ferry tradicional do Tejo pára para revisão... mas volta
A pintura já denuncia a idade e o desgaste. Os bancos de plástico laranja também já não passam por novos. Ainda assim ninguém se queixa de circular no já veterano Eborense, que vai parar este ano para revisão e renovar os certificados de navegabilidade. O último ferry tradicional a circular no Tejo fez ontem o seu último dia de trabalho na ligação Belém-Porto-Brandão-Trafaria para surpresa de alguns dos passageiros e tristeza de outros. "Não faz sentido substituir este cacilheiro. O que está previsto para a substituição é desproporcional, parece que estamos no Bósforo. Este é que é o barco adequado", defende Fernando Madeira. A fazer as 14 ligações diárias do Eborense vai estar o ferry catamarã Lisbonense. Geólogo, Fernando Madeira vive na Trafaria e trabalha em Lisboa. Usa esta ligação diariamente, embora ontem de manhã, o tivéssemos apanhado já no regresso a casa, "por motivos de doença", esclareceu.
Apreensiva está também a recém utilizadora desta carreira Patrícia Oliveira. A investigadora de ciência política mudou-se em novembro para a margem sul e desde então recorre ao Eborense para chegar a Lisboa, onde trabalha. "Realmente para as populações locais tanto de Porto Brandão como da Trafaria - que são as mais isoladas desta linha do Tejo - esta ligação é muito necessária." A jovem acrescenta ainda a necessidade de manter o ferry como "património típico e único da cidade". "Além das ligações para quem vive e trabalha na zona, há um potencial turístico muito grande nesta ligação. Aliás fora das horas de ponta veem-se muitos turistas a bordo", acrescenta Patrícia Oliveira, que às 11.00 está a dirigir-se para o trabalho.
Lisbonense vai garantir ligação
Também no percurso para o trabalho, a deputada socialista Francisca Parreira não esconde a ligação que tem a esta viagem fluvial que demora em média 25 minutos. "Fui presidente da Junta de Freguesia da Trafaria e tive de lutar pela manutenção desta ligação quando ela esteve em causa em 2010/2011", conta a ex-autarca. Habituada a este percurso, justifica porque gosta e faz questão de usar os transportes públicos: "Não basta defender os serviços públicos é preciso usá-los e ajudar a que se tornem rentáveis." Neste momento, o que preocupa Francisca Parreira é que esta paragem do Eborense possa voltar a por em causa a ligação fluvial.
No entanto, a Transtejo faz questão de afastar tanto o cenário do fim do Eborense, como da ligação. Em resposta ao DN, a empresa explica que "com periodicidade bienal, todos os navios são obrigados a renovar os certificados de navegabilidade, sendo necessário que realizem estes trabalhos em seco". "O Ferry Eborense termina o seu certificado de navegabilidade em Janeiro e está orçamentada no plano de 2017 a sua docagem e revisão", acrescenta.
A substituir o veterano cacilheiro vai estar o ferry catamarã Lisbonense, "que renovou o seu certificado de navegabilidade há pouco tempo", garante a Transtejo. Um substituto que não é consensual. O especialista em náutica Luís Miguel Correia escreveu no Blogue dos Navios e do Mar que os dois ferries catamarãs Lisbonense e Almadense que podiam fazer este percurso têm "avarias constantes" e "um custo elevado de operação".
O utente Fernando Madeira considera o tamanho do Lisbonense desproporcional para as necessidades, enquanto Jorge Real gosta mais do substituto, que classifica de "bem melhor" e que "às vezes nem chega para os passageiros". O comerciante Jorge Real faz a travessia de carro - "é a forma mais económica de passar o Tejo, evita-se o trânsito da ponte e ainda dá para vir a ler" - já que depois segue para a Graça.
O Eborense tem capacidade para 346 passageiros e 30 veículos e o Lisbonense para 360 passageiros e 29 viaturas. O DN tentou perceber quantas pessoas fazem diariamente esta ligação entre as duas margens, mas tal não foi possível. Na viagem que acompanhámos, ontem entre as 10.00 e as 11.30 na ligação entre Belém e Trafaria e regresso a Belém, o ferry apenas transportou um carro em cada um dos sentidos e nas duas viagens não estavam mais de 30 passageiros. Porém, esta não era a hora de ponta e não foi possível perceber junto dos tripulantes se normalmente o Eborense enche em alguns horários, uma vez que estes não estavam autorizados a falar.