Nos casinos de todo o mundo, esta é a frase que faz qualquer jogador tremer de ansiedade "les jeux sont faits, rien ne va plus", assim, dito no original francês, significando que não há possibilidade de colocar novas fichas sobre a mesa de jogo. A roleta vai girar e não há mais nada a fazer..Ontem, em França, soou este momento. O país vota amanhã e o final da campanha do referendo constitucional contou com uma prenda inesperada da Alemanha, avisos dos mercados financeiros e aquilo que muitos jornais interpretam como o "pânico" da classe política tradicional. À hora de fecho desta edição decorriam comícios, com o "sim" a apresentar vedetas políticas estrangeiras, nomeadamente os líderes alemão e espanhol..O que se compreende, já que a ansiedade em frente ao croupier não é um exclusivo francês o que está em jogo diz respeito a todos os europeus..Ao longo da última semana, as sondagens em França deram sempre vantagem ao "não", até com tendência para um crescimento da resposta negativa, que chegou a uma previsão de 55%. No entanto, ontem, foi publicado por um jornal suíço um inquérito de opinião que dava também vantagem ao "não", mas por uma pequena diferença, apenas 52%, dentro das margens de erro..Nos últimos dias da campanha, o campo do "sim" lançou uma verdadeira barragem de artilharia sobre os franceses, cuja mobilização não é entusiástica. Vários líderes estrangeiros participaram em comícios ou enviaram mensagens a apelar ao "sim"..As figuras mais destacadas da campanha favorável ao tratado multiplicaram as afirmações catastrofistas. Depois de Jacques Chirac, foi a vez de François Hollande, Dominique Strauss-Kahn, Jean-Pierre Raffarin ou ainda o rebelde da direita, Nicolas Sarkozy, enfim, a nata da classe política, incluindo muitas das personalidades mais respeitadas do país..E a inquietação não é apenas francesa. Existe uma terrível incógnita sobre os efeitos que poderá ter uma rejeição do tratado constitucional sobre o projecto europeu. A Holanda vota na quarta-feira, num referendo não vinculativo, mas tudo indica que o eleitorado se inclina para chumbar o tratado constitucional. A ratificação poderá ser muito difícil, já que os partidos prometeram respeitar a vontade popular no caso da participação ser superior a 30%. A confirmarem-se estas tendências, haveria dois países fundadores da Comunidade Europeia a recusarem o texto..Além do efeito que uma eventual rejeição francesa pode ter na Holanda, deve ser considerado o impacto nos restantes Estados membros, incluindo Portugal, que deverá realizar o seu próprio referendo em Outubro. Uma curiosidade o resultado francês está também a preocupar a Suíça, que não está na UE, mas onde dentro de uma semana decorre um referendo sobre a entrada desse país no espaço Schengen, que regula a livre circulação de pessoas e bens. Em princípio, segundo as sondagens, a Suíça deverá aceitar o acordo efectuado com a UE..Outra consequência imprevisível será sobre a moeda única. Todos os analistas consideram que, a prazo, o euro vai sofrer perda de credibilidade, no caso do tratado constitucional ser rejeitado em França. Na última semana, a moeda europeia esteve a perder no mercado cambial. Anteontem, atingiu o valor mais baixo dos últimos sete meses, tendo recuperado ontem (ver página 33). Caso a França escolha o "não", espera-se uma segunda-feira agitada na vida desta moeda..bundesrat. O campo do "sim" recebeu entretanto uma ajuda oportuna da Alemanha, que ratificou ontem a constituição europeia, tornando-se o nono país a concluir o processo. Faltava a assinatura da câmara alta do Parlamento, o Bundesrat, que votou favoravelmente de forma esmagadora, com 66 votos a favor e três abstenções dos ex-comunistas do PDS. O chefe da diplomacia alemã, Joschka Fischer, apelou aos franceses para que ratifiquem o tratado, explicando que "não iria haver melhor" e que o mundo não vai esperar pelos europeus se eles não estiverem unidos..A frase não surpreende. O tratado demorou três anos a negociar e as elevadas esperanças que os políticos europeus depositavam nele podem esfumar-se num só dia.