Este é o último ano de Trump ou vêm aí mais quatro?

No dia 20, Donald Trump entra no quarto ano do seu primeiro mandato. Com o impeachment sem grande hipótese, caberá aos americanos decidir em novembro nas urnas se lhe dão um segundo.
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É já nesta semana que começa no Senado o julgamento de impeachment de Donald Trump. E se poucos acreditam que no final dois terços de uma câmara em que os republicanos têm maioria votem para destituir o presidente, as acusações de que terá tentado pressionar o presidente ucraniano para investigar o filho de Joe Biden, um dos favoritos à nomeação democrata para as presidenciais de novembro, prometem marcar o último ano do seu primeiro mandato. Se isso será suficiente para impedir a sua reeleição, é o que vamos saber nos dez meses que faltam até ao escrutínio, mas é mais provável que seja a economia a decidir se o milionário consegue mais quatro anos na Casa Branca ou se os americanos voltam a pôr um democrata na presidência.

"O processo de destituição vai estar terminado numa questão de dias ou semanas. Mas os efeitos do que ali acontecer vai ter efeitos a longo prazo na narrativa de ambos os lados", explica P. J. Crowley ao DN, contactado por e-mail. Mas o ex-porta-voz do Departamento de Estado está convencido de que "se a economia americana não continuar a crescer, então as perspetivas de reeleição de Trump caem. A economia é muito importante para ele".

Ora, as previsões de crescimento para 2019 são de 2,3% (os números finais ainda não foram divulgados), com uma ligeira desaceleração em 2020, para 1,9%, mesmo assim o suficiente para a taxa de desemprego continuar nos 3,5%, um mínimo histórico. Na quinta-feira, após a assinatura do acordo comercial entre os Estados Unidos e a China, a Bolsa de Nova Iorque atingiu níveis recorde. "Um dos melhores acordos comerciais alguma vez assinados! Também bom para a China e para a nossa longa relação. 250 mil milhões de dólares vão voltar para o nosso país, e estamos agora numa excelente posição para o começo de uma fase dois. Nunca houve nada assim na história dos EUA!", escreveu Trump num tweet em que não escondia o seu entusiasmo com o acordo.

Ao longo dos três primeiros anos de mandato, Trump não se tem cansado de repetir que a economia americana nunca esteve tão bem. "A nossa economia faz a inveja do mundo. Talvez a melhor economia que já tivemos na história do nosso país", escreveu no Twitter em dezembro. Uma afirmação que os analistas têm contestado: se é verdade que a economia americana está a atravessar uma boa fase, já teve melhores resultados, e não há assim tanto tempo. No segundo trimestre de 2014, no segundo mandato de Barack Obama, o PIB dos EUA cresceu 5,5% - já para não recuar até aos anos 50 ou 60 do século passado. "Se olharmos para a saúde da economia com base no PIB, as afirmações do senhor Trump são suspeitas em comparação com o boom económico do pós-Guerra", explicou à BBC Megan Black, professora de História na London School of Economics.

"Keep America great" e "Estados vilões"

Quando em junho de 2015 Donald Trump anunciou a entrada na corrida à nomeação republicana para as presidenciais do ano seguinte, descendo a escadaria dourada da Trump Tower em Nova Iorque, poucos acreditaram que tivesse mesmo hipóteses de chegar à Casa Branca. Nos media, uns destacaram o "discurso excêntrico", outros pareciam não acreditar muito nas intenções do milionário do imobiliário, mais conhecido do grande público graças aos concursos de misses ou à apresentação do reality show The Apprentice do que pelas posições políticas.

Mas a verdade é que não só Trump bateu todos os rivais republicanos para obter a nomeação do partido como derrotou a democrata Hillary Clinton nas presidenciais - apesar de a ex-primeira-dama ter obtido mais três milhões de votos populares.

Desbocado - logo no tal discurso inicial com que lançou a campanha chamou "violadores e traficantes" aos mexicanos - e politicamente incorreto, enganaram-se aqueles que acharam que Trump ira mudar de atitude e tornar-se mais "presidenciável" no dia em que se sentasse na Sala Oval. Nos últimos três anos, a América e o mundo aprenderam a lidar com um presidente que governa pelo Twitter - já usou a sua rede social favorita para demitir altos responsáveis da sua administração, para ameaçar países estrangeiros (prometeu enviar "o fogo e a fúria" para cima da Coreia do Norte e chamou "rocket man" ao seu líder) ou para assuntos tão mundanos como comentar as últimas tensões na família real britânica.

Mas numa coisa os seus apoiantes têm razão: Trump tem procurado cumprir aquilo que prometeu durante a campanha, a começar pela construção do muro com o México, a sua maior obsessão. Com a Câmara dos Representantes, de maioria democrata, contra ele, o presidente teve de desviar dinheiro do orçamento da Defesa para avançar com a construção do muro.

"Donald Trump é o mais político presidente da nossa história", garante ao DN P. J. Crowley. Segundo o ex-porta-voz do Departamento de Estado, "a campanha é tudo para ele. E continua a guiar-se pelo que vê como o mandato para o qual foi eleito em 2016. Não muda aquilo em que acredita com base nos factos. Tudo o que ele faz baseia-se na crença de que isso melhora as suas hipóteses de ser reeleito".

Fiel à sua ideia de América Primeiro e ao slogan "Make America great again" (ou seja, tornar a América grande outra vez, que na campanha para 2020 foi substituído por "Keep America great", manter a América grande), Trump retirou os EUA dos acordos multilaterais - como o Acordo de Paris sobre o Clima - ou renegociou aqueles que não lhe agradavam, como é o caso do NAFTA, o acordo de comércio livre com o México e o Canadá. Um dos acordos dos quais tirou os Estados Unidos foi o que pretendia monitorizar o programa nuclear iraniano.

Logo no primeiro discurso na Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2017, Trump apresentou a sua lista de "Estados vilões", que incluía Coreia do Norte, Irão e Venezuela. Sem nunca tirar a opção militar de cima da mesa, em janeiro de 2019 a administração Trump reconheceu Juan Guaidó como presidente depois de este assumir o cargo, denunciando fraude na reeleição de Nicolás Maduro.

Veja aqui o discurso:

Durante esse conflito naquele país, Washington exige o "regresso da democracia". Com a Coreia do Norte, o auge da tensão registou-se em 2017, quando Trump e Kim Jong-un trocaram ameaças, com o líder norte-coreano a lançar vários mísseis balísticos e a realizar o sexto ensaio nuclear do país. Seria 2018 a trazer a aproximação. E desde então os dois líderes já se reuniram por três vezes: a primeira em Singapura, em junho de 2018, a segunda em Hanói, em fevereiro do ano seguinte, e a terceira na Zona Desmilitarizada entre as duas Coreias, em junho de 2019. Mas a verdade é que os esforços para retomar o processo de paz continuam parados. E parece incerto que a Casa Branca esteja disposta a retirar a Coreia do Norte da lista dos países inimigos.

Com quase dez meses até às eleições, muito pode acontecer, também a nível da política externa. Se a morte de Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do grupo radical islamita Estado Islâmico, numa operação das forças especiais americanas na Síria em outubro de 2019, era até ao final do ano um dos momentos altos na presidência Trump, a 3 de janeiro a decisão de mandar executar o general Qassem Soleimani, líder da força Quds, a unidade de elite dos Guardas da Revolução iranianos, deixou o mundo com receio de uma nova guerra.

Teerão retaliou, de facto, num esforço para vingar a morte do seu herói nacional, abatido por um drone americano no aeroporto de Bagdad, lançando mísseis contra bases iraquianas onde estavam estacionadas tropas. O ataque não fez qualquer vítima mortal, tendo apenas causado ferimentos em 11 soldados dos EUA, segundo as últimas informações divulgadas na sexta-feira. Depois da resposta iraniana, Trump veio pôr água na fervura, afirmando-se disposto a fazer a paz com quem a quiser. Resta saber se as coisas vão ficar por aqui. Com o Irão a puxar os cordéis de várias milícias e grupos armados na região, nada parece menos certo. E um conflito aberto entre os dois países poderia influenciar as eleições.

(Im)popularidade e rivais democratas

Enquanto o mundo se prepara para assistir em direto àquele que é apenas o terceiro julgamento de impeachment de um presidente americano (tanto Andrew Johnson no século XIX como Bill Clinton em 1999 acabaram ilibados no Senado), os americanos vão começar já no dia outro processo: o de escolherem os candidatos às presidenciais através das primárias. O Iowa é o primeiro, como já é tradição, no dia 3 de fevereiro, seguido do New Hampshire no dia 11. Mas as verdadeiras grandes decisões terão de esperar até à superterça-feira 3 de março, quando vão a votos Alabama, Samoa americana, Arkansas, Califórnia, Colorado, Maine, Minnesota, Carolina do Norte, Oklahoma, Tennessee, Texas, Utah, Vermont e Virgínia.

Com uma popularidade à prova de quase tudo - faça o que fizer, diga o que disser parece manter-se estável em torno dos 43% -, Trump não tem um verdadeiro rival republicano. Nem Joe Walsh, ex-congressista do Illinois e apresentador na rádio, nem Bill Weld, o ex-governador do Massachusetts que em 2016 foi o nomeado à vice-presidência pelos libertários, parecem ter hipóteses de vencer a nomeação.

Restam os rivais democratas. E com as primárias prestes a arrancar, a verdade é que nenhum dos candidatos parece claramente favorito. Os senadores Bernie Sanders e Elizabeth Warren juntam-se ao ex-vice-presidente Joe Biden num trio da frente, com a última sondagem Ipsos a dar 20% das intenções de voto a Sanders, 19% a Biden e 12% a Warren. O mayor de South Bend, Pete Buttigieg, é quarto, com 6%. Com Sanders e Warren a serem vistos como representantes da ala esquerda mais radical do partido e Biden a representar os mais moderados, a questão que se põe é qual o caminho que os democratas vão escolher como o mais provável de derrotar Trump.

"Quando as pessoas começarem a votar no Iowa, no New Hampshire, no Nevada e na Carolina do Sul, com certeza irão avaliar qual o candidato mais capaz de derrotar Trump em novembro, e isso será decisivo", acredita P. J. Crowley. A acreditar nas sondagens, Biden e Sanders seriam os mais bem posicionados para bater o republicano - por uma curtíssima margem. Mas num sistema como o americano, as sondagens já provaram valer muito pouco.

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