«Os trolls querem silenciar-te», dizia à Time, em 2016, a escritora norte-americana de origem asiática Celeste Ng, alvo constante de ataques racistas e machistas no Twitter pelas posições críticas em relação a Donald Trump ou as assumidas em defesa das mulheres e da comunidade asiática. «Não gosto de ser intimidada, por isso acho que a melhor maneira de lidar com isto é continuar a falar das coisas que são importantes para mim e os trolls que se danem.».Nem todos conseguem fazer isto, ignorar, não alimentar os trolls, regra de ouro espalhada em todas as línguas pela internet: «Don"t feed the troll», «não alimente o troll». Há quem não resista a responder-lhes e se arrependa, há quem tenha abandonado as redes sociais para lhes fugir, há quem tenha passado a ter mais cuidado com o que diz, há mesmo quem se tenha calado..Não são poucos os casos de ataques massivos e concertados de trolls, envolvendo humilhação, assédio, perseguição e mesmo ameaças de morte. Os alvos preferenciais são pessoas que se destacam pela sua ação ou posições públicas em defesa dos direitos humanos, mais ainda se forem mulheres ou não heterossexuais ou não brancos. Os temas que mais fazem premir o gatilho são o feminismo, os direitos LGBT, a imigração e as minorias étnicas. Um estudo do Pew Research Center (EUA), publicado em 2014, e a observação empírica confirmam-no..Nos Estados Unidos, onde artigos que refletem sobre como se está a perder a internet para a cultura do ódio ou porque é que bloquear os trolls não funciona, a Time, só para dar um exemplo, pinta um cenário negro, com episódios graves de condicionamento da liberdade de expressão. Mas o fenómeno não é um exclusivo daquele país, é global, existe desde que existe internet e jornais online e caixas de comentários e redes sociais e fóruns de discussão..Na verdade, se pensarmos bem, trolls sempre existiram, e só na mitologia escandinava é que eram verdes e feios. No mundo real, tanto podem ser o rufia que provoca e ameaça como o bully que bate, humilha e persegue, como o mau caráter que difama e insulta, como o embirrante que desconversa e usa falsos argumentos para minar uma discussão, como o racista que diz «vai para a tua terra», o machista que diz «cobria-te toda e não era de joias», o homofóbico que diz «agora os paneleiros querem mandar nisto tudo», como... por aí fora..Sempre existiram, mas online ganharam voz, poder e alcance. Sobretudo, alargaram o campo de ação e a margem de manobra. A coberto do anonimato e do caráter virtual das relações, não só podem espalhar as suas opiniões e influenciar outros como podem insultar, difamar, perseguir, ameaçar, agredir e condicionar quem tem opinião diferente, sem sofrer consequências..É muito mais fácil ser troll online. O outro é, na maioria dos casos, quase uma entidade abstrata. Como explica a neurocientista Diana Prata, «é mais fácil fazer bullying [ou trolling] ou comentários desfavoráveis ao longe, sentado atrás de um computador, sem ver a reação facial da outra pessoa. É mais fácil ser mau assim porque não se tem o castigo de ver o outro triste». É mais fácil não nos pormos no lugar do outro. A empatia é tramada e a falta dela ainda mais..A internet, as redes sociais, os jornais e revistas, os sites e até os blogues têm vindo a tentar dar resposta a este fenómeno, criando regras de utilização, utilizando filtros, fazendo depender de um registo prévio a possibilidade de comentar, usando moderação humana ou automática, recorrendo ao algoritmo e à inteligência artificial [ver artigo nas páginas seguintes], mas nem sempre da forma mais eficaz, ou convicta. Por um lado, porque os trolls, sobretudo os que têm uma agenda política ou ideológica, encontram forma de contornar os obstáculos; por outro, porque estes geram tráfego, criam engagement e, até certo ponto, são bons para o negócio, e, por outro ainda, porque calá-los de vez poderá ter danos colaterais, com implicações na liberdade de expressão de outros. Há prós e contras a pesar e é esse espaço de indefinição que pode abrir caminho para o xeque-mate..Um relatório da Pew Research Center e da Elon University"s Imagining the Internet Center, divulgado em 2017, sobre o futuro da liberdade de expressão, trolls, anonimato e fake news, reforça o pessimismo. Perguntaram a mais de 1500 especialistas e decisores na área da tecnologia sobre como achavam que na próxima década as interações online iriam moldar o discurso público. A maioria considera que não se verificarão grandes mudanças ou que a coisa poderá mesmo piorar. Só 19 por cento estão otimstas e acreditam na «derrota dos trolls»..«Os ciberataques, o doxing (exposição de dados pessoais) e o trolling continuarão enquanto as redes sociais, os programadores, os especialistas em segurança, os especialistas em ética e outros continuarem a discutir formas de equilibrar a segurança, a liberdade de expressão e a proteção dos utilizadores», disse Susan Etlinger, analista do grupo Altimeter, ao Pew Reserch Center..Enquanto essa discussão acontece, cresce o uso de trolls pagos para difundir propaganda, condicionar o debate de ideias e manipular o conteúdo e o acesso à informação online, como aponta o relatório Freedom of the Net 2017, da Freedom House, divulgado pela Deutsche Welle..«Fake news» «fake news» «fake news», grita Donald Trump, com ou sem hashtag, no Twitter, a propósito de todas as notícias que lhe são desfavoráveis e sobretudo aquelas que dizem respeito à interferência russa, com recurso a trolls e notícias falsas, nos resultados das eleições que o levaram à Casa Branca..Com ou sem interferência externa, são muitos nos Estados Unidos os que pensam que a trollice foi determinante para os resultados eleitorais de novembro de 2016. Poucos dias após a eleição de Trump como presidente dos Estados Unidos da América, o comediante Dave Chappelle disse-o, com todas as letras, no Saturday Night Live, da NBC: «Acabámos de eleger um troll da internet para a presidência.».Em junho de 2017, o jornalista John Cassidy escrevia na The New Yorker que Donald Trump «Will go down in history as the troll-in-chief» (Donald Trump ficará para a história como o troll-em-chefe), na sequência de um ataque violento, sexista e com o propósito de humilhar que o presidente, via Twitter, fez a Mika Brzezinski, coapresentadora do programa Morning Joe, da MSNBC..Na opinião de Cassidy, a presença de Trump online é central, e sempre foi, para a sua presidência. «Se o mundo dos media ainda fosse dominado pelos grandes grupos de comunicação social e uma mão-cheia de grandes jornais, Trump provavelmente ainda estaria a negociar apartamentos de luxo, a construir campos de golfe e a fazer de si próprio num reality show televisivo. Foi o crescimento das redes socais, com a proliferação de sites de notícias dominados pela direita e extrema-direita alternativas [alt-right], que ajudaram Trump a criar um movimento de votantes zangados e alienados e passar de apresentador de circo [carnival barker, no original] a presidente», escreve o cronista da The New Yorker,.«Não alimente o troll, senão ele pode chegar a presidente.» Talvez esteja na altura de atualizar a regra de ouro. Ou isso ou tomar medidas eficazes para neutralizar as vozes que querem, usando a bandeira da liberdade de expressão, acabar com ela.