O triste adeus
O presidente francês De Gaulle resistiu à entrada do Reino Unido na então Comunidade Económica Europeia (CEE) pelas mesmas razões que em Bruxelas, Paris e até Berlim, discretamente ou não, alguns celebraram a vitória do Brexit. Os britânicos seriam, e foram, sempre uma força de resistência a maior integração, à autonomia da defesa e segurança europeias, à criação de uma potência alternativa à América.
Além disso, De Gaulle em especial, e os franceses em geral (exatamente como Macron), tinha a convicção de que o Reino Unido era um travão à influência de França na Europa. Livres dos britânicos, os franceses são a única potência nuclear do clube, o único Estado membro com lugar no Conselho de Segurança das Nações Unidas e o país com mais interesses ultramarinos. E com o qual os alemães têm mesmo de negociar. É esta alteração que interessa perceber.
Sobre o Brexit, no essencial, escreve-se sobre como foi uma vitória do populismo, de uma falsa ideia de retomar controlo, que na verdade o Reino Unido acabará por depender de decisões em que já não participa. Além disso, o Reino Unido que muitos dos eleitores do Brexit desejam é incompatível com a política que Boris Johnson terá de seguir. O Reino Unido open to the world e competitivo dificilmente protegerá os que acreditam que a globalização lhes ameaça os empregos e que os imigrantes lhes desestabilizam o país. Singapura no Thames é uma proposta radicalmente liberal. Muito mais liberal do que os eleitores do norte da Inglaterra muito provavelmente desejam. Mas tudo isso é lá como eles. O que mais nos interessa no Brexit é o que tem que ver connosco. Perdemos uma economia que vale as 18 ou 19 mais pequenas da Europa (Portugal incluído), mas há muito mais do que isso.
O peso económico e populacional do Reino Unido, aliado a uma administração pública bem qualificada e, sobretudo, a uma ideia de Europa que foi constante ao longo dos vários governos, conservadores ou trabalhistas, permitiu aos britânicos serem a resistência ao poder alemão e à arrogância francesa nas instituições europeias.
Numa Europa a 28, o governo britânico e os seus diplomatas, mesmo os seus deputados (menos), contribuíram para que depois de 1989 se alargasse em vez de se aprofundar a Europa, puxaram pelo mercado interno e a circulação de pessoas, bens, serviços e capitais, invocaram insistentemente a subsidiariedade - um princípio mais referido do que praticado - e nunca deixaram que a ideia de uma defesa europeia alternativa à NATO fosse sequer elaborada. A sua saída altera este equilíbrio. Acresce que as tradições britânicas, mesmo as mais esdrúxulas, fazem parte de uma história de democracia e liberdade que nenhum outro grande país da União Europeia se pode orgulhar.
Desde sábado passado, a União Europeia passou a ser menos atlantista e mais continental; menos resistente a maior integração e mais suscetível ao federalismo; menos crente no comércio livre e mais inclinada a acreditar num papel intervencionista do Estado; menos económica e mais política. Para quem acredita num projeto europeu federalista e sempre mais integrador, há razões para celebrar a saída dos britânicos. Para quem quer a Europa mas resiste à dessoberanização, não há motivo de festa. Pelo contrário.