O triângulo dourado
O paradigma dinamarquês da flexigurança já se transformou no novo cavalo de Tróia para a liberalização total dos despedimentos individuais. É esse o interesse objectivo dos empresários. Só que quem procura importar este modelo de relações laborais parece ignorar todos os seus aspectos, bem como o contexto histórico e cultural, no qual se baseia. Ei-lo, então. A flexigurança no reino da Dinamarca descreve-se a si própria como um triângulo dourado: flexibilidade total no emprego e no despedimento de trabalhadores + alto grau de protecção social no desemprego + políticas activas de emprego, eis a arquitectura do sistema. Num país de 5,4 milhões de habitantes, 2,3 milhões estão empregados, 120 mil estão desempregados (4,7% de taxa de desemprego), mas cerca de 500 mil trabalhadores por conta de outrem saem, por ano, da sua empresa. Destes, 30 mil são envolvidos em cursos de qualificação profissional e os restantes 350 mil encontram novo emprego de forma rápida e satisfatória. O apoio social ao desempregado garante-lhe um alto grau de rendimento (até 96% do vencimento líquido, que auferia), numa população cujo rendimento médio supera o dos portugueses em 55%. O consenso tripartido, entre sindicatos, empregadores e Estado, tem uma longa história. O primeiro acordo social para o emprego e o despedimento deu-se, na Dinamarca, em Setembro de 1899. O subsídio de desemprego foi instituído há quase cem anos. E o que parece escapar aos epígonos locais deste contrato social é que ele só pode existir financiado pela mais pesada carga fiscal da UE: 50,1% do PIB. Ora, entre nós, à medida que o tempo passa e a época de eleições se aproxima, cresce a sementeira de ilusões sobre os benefícios potenciais da ordem nas contas públicas. Não é sério exigir uma maior redução da carga fiscal e da despesa pública e, ao mesmo tempo, cantar loas à flexigurança, típica de um Estado Social nórdico. Para o triângulo poder brilhar, tem de ser sólido nas suas três vertentes.