O toque do clarim

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Tem sido abundante o número de publicações sobre a Primeira Guerra Mundial, que apenas ganhou esta designação depois da dimensão do desastre da Segunda. O que se tem publicado tem atualidade para compreender como a teia do complexo tecido diplomático de então atardava apenas a transparência, para a opinião pública, do risco efetivo que se aproximava da explosão. Foi talvez menos apurada a cortesia que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, mas, na conjuntura atual, o desenvolvimento dos meios de comunicação, e a perícia ganha na sua utilização, tem um efeito evidente, que é o de acelerar o tempo, que ainda inspirava o conceito de Lincoln, aquele tempo em que a capacidade de esconder a verdade foi limitada.

Os conflitos em curso alertam para a circunstância de que o adormecimento dos órgãos da ONU e o pousio da estrutura europeia parecem abalados pela realidade que volta a pôr em evidência a NATO e o sentido imperial da Rússia. O cemitério da Normandia parecia mais de lembrar, e talvez tenha estado presente na memória de Obama quando, segundo a imprensa, declarou: "Reafirmamos o princípio que guia a Aliança; os países que cumprem as condições devem ter a porta aberta." Uma espécie de toque do clarim a chamar à prontidão, que parece não convencer Putin de que lida com um problema global quando exclui o mundo ao declarar que parece "que um acordo entre Kiev e o Leste da Ucrânia pode ser alcançado até 5 de setembro".

É, todavia, difícil continuar a ignorar a crise económica e financeira que é global, não obstante continuem a esquecer o Conselho Económico e Social da ONU, em que também é prudente entender que a paz global está em perigo, porque se as guerras mundiais começaram a partir de factos banais, o risco que agora está em crescendo soma uma das piores ameaças em exercício, que é o terrorismo global. Sempre pareceu evidente que o mais perigoso elemento desse terrorismo é religioso, agora mostrando ainda que a Rússia não deixou morrer o vaticínio, depois da queda de Constantinopla, de que a III Roma não cairá. Fica claro que a Guerra Fria não está finda, embora alguns Estados tenham descurado manter suficientemente vivos o espírito e os meios de a conter. Não foi verdade, ao contrário do que acreditou Sergey Lavrov, que em data incerta se tinha informalmente criado "uma parceria estratégica moderna", visando por um lado moderação na área militar, e também desígnios de cooperação económica, área esta em que já começaram as retaliações, que são as excomunhões do credo do mercado.

A confiança na paz pelo desenvolvimento, pregada por Paulo VI, parece colocar nessa linha os esforços orçamentais, e até a sequência de um aparente afastamento americano da solidariedade atlântica, talvez considerando-a menos inquietante, porventura havendo americanos que não se esquecem de uma velha convicção, a qual fora a de Deus ter colocado o Atlântico no Leste da América, que tinha o Pacífico por destino manifesto. Global era o facto de terem sido incluídos valores religiosos na definição do conceito estratégico com que se iniciou o terrorismo, em rede, ao mundo ocidental. Nesta data não é apenas a rede, contribuição valiosa de Castells para o entendimento da desordem jurídica mundial, substituída por ignoradas interdependências, frequentemente mais eficazes do que os governos formais.

Agora, o terrorismo apresenta-se reclamando a condição de Estado, e não deixando de tornar a ameaça mais grave pondo o acento tónico religioso na designação, nos objetivos e na prática brutal da crueldade. As alianças, como os países, apenas se fortalecem sem benefício de inventário, e, portanto, não há erros cometidos entre os ocidentais que devam ser tomados em conta na tomada de decisões. Isso apenas agravaria a dificuldade de enfrentar os desafios do presente. Foi importante que Obama declarasse que "os EUA não serão intimidados pelas decapitações feitas pelos Estados islâmicos". O Ocidente deve ter prestado atenção ao toque do clarim do principal aliado.

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