O toque de Midas

O melhor sítio para uma conversa com <b>Carmen Correia</b> é à mesa. Esta canadiana de nome bem português - a revelar as origens açorianas -, é agente de <i>chefs</i> celebridades. Bourdain e Ramsay estão na longa lista dos que ajuda a ser estrelas na constelação da gastronomia.
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Tal como fazia a personagem de Tom Cruise no mundo do desporto, no filme Jerry Maguire , Carmen mexe com tudo o que faça um chef ganhar dinheiro. «Tudo menos os restaurantes, nisso não me meto. Mas trato da publicação de um livro, ponho-os na televisão, seja no Masterchef ou com um programa próprio, consigo patrocínios, trabalhos publicitários, palestras.» A sua carteira de contactos reúne mais de dois mil nomes, espalhados pelo mundo, com particular incidência nos EUA e no Canadá. Entre eles, Anthony Bourdain, Gordon Ramsay, mas também outras figuras relacionadas com o meio, como a apresentadora do Top Chef Padma Lakshmi.

Foi pelo lado das palestras que a luso-canadiana entrou no universo da cozinha, vai para 15 anos. «Na altura, tinha um speaker"s bureau , um gabinete especializado em contratar gente famosa - escritores, políticos, atletas, gestores - para conferências.» Bill Clinton e Jack Welsh foram alguns dos seus representados. «De caminho, foram aparecendo alguns chefs . O primeiro foi Emeril Lagasse. Por sermos ambos portugueses, entendemo-nos na perfeição.» Pouco depois, teve de agendar outro chef e acabou por fazer contas à vida. «Apercebi-me de que preferia, de longe, trabalhar com estes tipos. Gostava de comida, de vinhos e de viagens, interessava-me muito mais essa área. E, fruto do meu passado, eles diziam-me "Uau! Tu és diferente dos outros!".» Falemos desse passado.

Carmen cresceu no campo, na pequena cidade de Sidney, na ilha de Vancouver. Os pais, naturais de Água d"Alto (São Miguel), emigraram em 1970 - ano do seu nascimento, já em solo canadiano. O pai era carpinteiro, a mãe mulher-a-dias, e os tempos livres eram dedicados à quinta onde viviam. Entre a escola e as aulas de acordeão, a jovem Carmen logo teve de aprender a fazer a sua parte. Cuidar dos animais, tratar da horta, ajudar na matança do porco. «Os meus chefs dizem que sou a única pessoa capaz de falar com os manda-chuvas de uma grande empresa em Nova Iorque e, logo de seguida, esventrar uma galinha no quintal.» O certo é que, de comida, ela já sabia muito, nomeadamente da sua proveniência - um grande trunfo na era das refeições de micro-ondas. «E sempre tive muita curiosidade por experimentar coisas diferentes, já era bastante viajada nessa altura. O importante é que sei bem o trabalho que dá, respeito o que cada chef faz, respeito o seu tempo e, quando lhes arranjo um contrato, é para valorizar ao máximo cada hora dispensada.»

Na Chefs Network Inc., fundada e presidida por Carmen, com sede em Toronto e filial em Nova Iorque, os chefs estão arrumados em quatro escalões. A lista A inclui Bourdain, Ramsay, Jamie Oliver, Mario Batali. Contratá-los rondará os cem mil dólares por dia. O retorno também é elevado: um grande hospital de Toronto pagou 150 mil dólares para Gordon Ramsay dar a cara por uma gala de angariação de fundos. No final da noite, tinham reunido mais de um milhão de dólares. Curiosamente, é no escalão B que está a grande fatia da faturação da Chefs Network. «Os chefs A estão sempre muito ocupados, daí os preços elevados, ao passo que os da lista B são suficientemente famosos e muito mais em conta.»

Gerir talento não é fácil. Em especial quando há egos insuflados à mistura. «Tive uma reunião com um chef que tinha acabado o seu primeiro reality show e eu pedi-lhe, como sempre faço: "Diz-me onde queres chegar e eu digo-te por onde começar." E ele responde que quer um contrato publicitário com uma marca de sapatilhas. Tive de lhe explicar o óbvio: "Tu não és um atleta, és um chef famoso e sobram-te dez minutos antes que a fama se esfume. Começa com algo mais localizado e a partir daí construímos a tua popularidade."» Regra geral, são os mais novos, celebrizados por reality shows , os mais complicados de gerir. «Não gosto daquilo que a televisão lhes está a fazer», desabafa. Para os manter na linha, tem uma receita simples: «Certifico-me de que sabem que as consequências são elevadas. Quem se porta mal uma vez, fica seis meses na lista negra; à segunda, é um ano; três falhas e deixo de trabalhar com eles.»

Quando precisa de se afastar da constante correria entre Toronto e Nova Iorque, Carmen tem dois refúgios: a quinta dos pais, na ilha de Vancouver, ou a sua pátria sentimental, São Miguel. Este verão, resolveu dedicar um mês inteiro aos Açores (e à reaprendizagem da língua materna). Mas nesta profissão nunca se está totalmente de férias. Aproveitou a passagem por Ponta Delgada para ir ao festival de gastronomia 10 Fest, para explorar mais a fundo a riqueza culinária açoriana (as lapas são a sua perdição), para reunir com várias entidades locais no sentido de ajudar a promover a cozinha regional e nacional junto do mercado norte-americano, algo que já assumiu como missão pessoal. Uma delas. Outra das suas «cruzadas» é defender de um certo oportunismo corporativo os chefs que representa. «Eles não estão por dentro do mundo dos negócios e um dos principais motivos por que inventei esta profissão foi porque vi tantas empresas aproveitar-se deles.» Um exemplo: um chef seu amigo deu a cara por uma megacadeia de retalho a troco de quinhentos dólares em donativo para uma instituição à sua escolha. «Logo lhe expliquei, mal soube: "Acabaste de ser roubado em pelo menos cinquenta mil dólares."» É essa a diferença de trabalhar com Carmen Correia. «A partir do momento em que começas a cobrar, eles passam a valorizar-te. Se o fizeres de graça, o teu valor é zero», acrescenta. Como diria Jerry Maguire: « Show me the money! »

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