O tiquetaque de Bolsonaro
O tiquetaque do título pode ser o de um Rolex Day-Date 36 fabricado em ouro branco, cravejado a diamantes, com pulseira em platina e mostrador em madrepérola, o de um Chopard em ouro rosé 18 quilates ou o de um Patek Philippe idêntico ao do último imperador da China.
As três peças, além de anéis, abotoaduras, rosários árabes, esculturas de palmeiras, camelos e barcos, umas em ouro maciço, outras só folheadas a ouro, são o objeto de uma investigação da Polícia Federal (PF) que tem como alvo um grupo (ainda não se pode chamar "quadrilha") de auxiliares de Jair Bolsonaro.
Segundo o relatório da PF, esse "grupo" tentava vender nos EUA, em troca de milhões de reais, os presentes oferecidos ao Estado (logo ao povo) brasileiro por governos do Médio Oriente.
As investigações da operação policial batizada com o versículo bíblico Lucas 12.2 ("não há nada escondido que não venha a ser descoberto") identificaram "a retirada do país de quatro conjuntos de bens" num voo oficial - aquele de Bolsonaro para Miami de 30 de dezembro para fugir da entrega da faixa a Lula da Silva.
De acordo com a PF, equivalente ao FBI brasileiro, o valor das vendas, em cash, tinha como provável destino o bolso de Bolsonaro.
Esses milhões das joias árabes podem, pois, estar para o ex-presidente, com tantos crimes graves ainda por responder, como a sonegação de impostos esteve para Al Capone.
Mas os visados nos mandatos da polícia são, por agora, apenas Mauro Cid, ajudante de ordens do então presidente, o pai dele, Mauro César Cid, general na reserva do exército e, muito convenientemente, chefe do escritório da agência brasileira de exportações em Miami, e Frederico Wassef, advogado de Bolsonaro, entre mais auxiliares, oficiais e juristas.
Em mensagens intercetadas pela PF, Cid diz que o pai tem de entregar 25 mil reais, provenientes da venda de joias, a Bolsonaro - mas a entrega, pede ele, tem de ser em mãos para, reforça, escapar do sistema bancário. Preso por outros cambalachos há três meses, o faz-tudo do ex-presidente ainda não se manifestou.
Como em março o Estado brasileiro ordenara a devolução dos itens, mas aquele Rolex Day-Date 36 do primeiro parágrafo já havia sido vendido, Wassef teve a missão de o recomprar às pressas. Ele negou veementemente até a polícia lhe apresentar um recibo com o nome dele.
O pai de Cid nem se deu ao trabalho de negar nada. Numa foto tirada para vender as esculturas citadas no segundo parágrafo, consta a cara dele refletida no vidro.
Mas o alvo final do caso das joias não são, claro, o general trapalhão, o advogado aldrabão ou o lambe-botas presidencial.
Michelle Bolsonaro, ex-primeira-dama, sabe-o e por isso já contratou, no fim de semana, o mesmo advogado criminalista que defende Milton Ribeiro, aquele ministro da Educação envolvido num esquema, com outros pastores evangélicos como ele, de troca de verbas públicas por barras de ouro.
E Jair também sabe que tem as impressões digitais espalhadas pela cena do crime: o transporte da mercadoria roubada foi feito no avião presidencial e as mensagens de Cid apontam-no como destinatário do dinheiro.
O país, enfim, sabe que, numa manhã destas, a polícia, inevitavelmente, tocará à campainha da mansão do casal em Brasília. Antes de a bomba explodir, na casa dos Bolsonaro soa apenas um perturbador tiquetaque de relógio.
Jornalista, correspondente em São Paulo