O terceiro mosqueteiro do new labour

Ex-ministro do Comércio e da Irlanda do Norte, ex-comissário europeu, Mandelson enfureceu os trabalhistas com o  conteúdo da sua autobiografia. 'O Terceiro Homem' põe a nu a luta pelo poder protagonizada por Blair e Brown
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No filme a preto e branco com seis décadas, O Terceiro Homem é um trapaceiro que trabalha tanto para soviéticos como ocidentais. Harry Lime, interpretado por Orson Wells, é a personagem principal da acção, passada na austríaca Viena. Na autobiografia que na semana passada foi lançada em Londres, justamente com o mesmo título da película, O Terceiro Homem, Peter Mandelson surge como o político que no final de contas também trabalhou para dois lados, o de Tony Blair e Gordon Brown. Ex- -ministro de ambos e ex-director de comunicação dos trabalhistas, Mandelson considera-se o terceiro mosqueteiro do New Labour. Ele, Blair e Brown emergiram no partido após a morte inesperada de John Smith em 1994. E com a ideia de uma terceira via devolveram o poder aos trabalhistas nas eleições legislativas que foram realizadas três anos mais tarde.

Blair e Brown teriam feito nessa altura um acordo num restaurante londrino chamado Granita, segundo o qual o primeiro seria o novo líder dos trabalhistas e ocuparia o cargo de primeiro-ministro com a condição de, depois, passar o testemunho ao segundo. Mas, como revelou agora Mandelson, tal acordo só terá sido feito em 2003, num jantar na Admiralty House. Blair acabou por manter-se no número 10 de Downing Street durante um período de dez anos, Brown foi ao longo do mesmo tempo ministro das Finanças. A sua relação era boa até à guerra do Iraque, mas depois tudo piorou. Brown começou a pressionar para que o acordo de partilha de poder fosse cumprido.

Blair disse, finalmente, em 2005 que ia cumprir a promessa de sair. E Brown começou a exigir que fosse dada uma data em concreto. A certa altura, escreve Mandelson, Blair terá desabafado: "Ele é louco, mau, perigoso. Tem qualquer coisa de mafioso, é agressivo, brutal..." Ex-ministro do Comércio e ex-comissário europeu, Mandelson conta mesmo que chegou a ser posta em marcha a chamada "Operação Teddy Bear", que consistia em dividir em dois o Ministério das Finanças, que estava sob a tutela de Brown. O plano, que visava enfraquecê-lo, não seguiu em frente porque Blair temia que ele pedisse a demissão e se tornasse um temido inimigo seu. E a verdade é que precisava dele.

Mandelson defende-se dos que o criticam por pôr a nu a luta fratricida entre os dois e as divergências dentro do Labour. E dos que o acusam de publicar as suas memórias dois meses antes de saírem finalmente as memórias de Blair. "Acho que temos de escrever estas coisas enquanto ainda estão frescas na cabeça e são relevantes para o debate que está a ter lugar", disse em declarações à BBC rádio. Os cinco candidatos à liderança do partido criticaram a sua atitude, dando a entender que ele não voltará a ter lugar em mais nenhum Governo que os trabalhistas possam vir a formar no futuro. David Miliband chamou "destrutivo" ao livro, o irmão, Ed Miliband, disse que ele ofendia toda a gente, Ed Balls classificou-o de "divisor", Diane Abbott chamou-lhe devastador e Andy Burnham pediu-lhe que abandonasse o palco da vida política britânica.

Mas não foram só os trabalhistas que Lord Mandelson conseguiu enfurecer com o livro. O homem que deu real significado ao termo spin doctor, apelidado pelos media de 'Príncipe das Trevas', reproduziu conversas privadas que teve com o príncipe Carlos e isso deixou este bastante desagradado e incomodado. Mandelson conta que o seu primeiro encontro com o herdeiro do trono inglês deu-se durante um almoço em Highgrove, três semanas antes da morte da princesa Diana. Carlos, acompanhado por Camilla, com quem viria a casar depois, queria saber qual a imagem que as pessoas tinham dele. "Você recolhe mais afecto, simpatia e respeito do que pensa entre as pessoas. Mas algumas têm a impressão de que sente pena de si próprio, de que é sombrio e sem espírito", explicou Mandelson. E acrescentou que algumas vezes falou com Carlos em nome de Blair, nomeadamente para lhe dizer que as suas críticas aos produtos geneticamente modificados não estavam a ajudar.

Na autobiografia, Mandelson lembra as suas origens, ao admitir que já nasceu dentro do Labour. O seu avô materno era Herbert Morrison, que foi ministro do Interior do Governo de Winston Churchill. Natural de Londres, onde nasceu em 1953, Mandelson estudou Filosofia, Política e Economia. Ministro do Comércio e da Irlanda do Norte, foi por duas vezes obrigado a demitir--se do Executivo de Blair. A primeira por causa de um empréstimo para a sua casa em Notting Hill, a segunda por causa do alegado favorecimento na concessão de um visto a um empresário indiano. Episódios que pôs no livro, para dizer que foram injustos. A seguir a isso, entre 2001 e 2004, entrou numa espécie de exílio europeu, tendo sido comissário do Comércio na Comissão Europeia liderada por Durão Barroso.

Mas também aí não esteve isento de polémicas, com os media britânicos a acusarem-no de ter favorecido Oleg Deripaska, um milionário russo com negócios na área do alumínio. Mandelson foi fotografado no iate do oligarca, na ilha grega de Corfu em 2008. Mas negou que a sua amizade com Deripaska tivesse tido alguma influência nas suas decisões como comissário europeu. "Vivi bons tempos na Europa, foi uma experiência tremenda, mas não compensou a dor de ser excluído do Governo britânico", confessou, em declarações à Sky News.

Admitindo a importância do seu parceiro sentimental, o brasileiro Reinaldo Avila da Silva, Mandelson disse sentir-se abençoado por ter um pequeno número de amigos que são verdadeiros. E que apesar de ter aceitado integrar o Governo de Brown, quando voltou da sua missão em Bruxelas, desde o final do ano passado que sentia que os trabalhistas iriam perder as legislativas de 6 de Maio. E assim acabou por acontecer. O novo Governo britânico é composto por uma coligação entre os conservadores e os liberais-democratas.

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