O tempo e a política: mudanças radicais para resultados diferentes
No mês passado publiquei um pequeno ensaio, Futuro e Lobisomens - Uma proposta de trabalho para Portugal: melhorar a democracia, aumentar a decência do Estado, viver em liberdade (Âncora Editora). Deste texto, sumario apenas duas ideias, que talvez possam ajudar a ter outros olhos para uma realidade que nos surge como imóvel e sempre na iminência de uma descrença imparável.
A primeira delas é a de que provavelmente faria bem ao exercício de mandatos em cargos públicos, designadamente nos cargos eletivos e em cargos de designação para funções políticas, uma restrição na possibilidade da sua manutenção de forma ilimitada.
Em concreto: funções como as de deputado, primeiro-ministro, ministro ou secretário de Estado apenas poderiam ser assumidas, em continuidade, por um período, limitado, de tempo, por exemplo, 8 anos ou duas legislaturas, à semelhança do que hoje sucede com os autarcas, que apenas podem exercer três mandatos sequenciais. A definição da vida política como vida laboral e da vida laboral como vida política é uma perversão em si mesma, que apenas uma efetiva impossibilidade legal pode impedir. Tal permitiria, entre outras coisas, que o discurso da renovação, da pertença à realidade e do sentido de serviço público pudesse ter uma outra eficácia prática. Neste momento, diretores-gerais de serviços da Administração Pública já têm um máximo legal de permanência no cargo de 10 anos (e já foi menos), administradores de alguns reguladores públicos 6 anos, presidentes de câmara ou de junta de freguesia três mandatos.
A segunda ideia é a de que, dentro dos partidos políticos, a mesma lógica fosse adotada, ou seja, que o exercício de cargos executivos dentro de um partido político (ou pelo menos de um que se apresentasse a eleições) fosse obrigatoriamente limitado no tempo. Não se poderia ser presidente, secretário-geral ou membro de um qualquer órgão partidário, nacional, regional ou local, de forma continuada, para além de um dado período de alguns anos.
Antecipo naturalmente as críticas mais óbvias: que isto seria uma restrição abusiva a direitos políticos fundamentais, desde logo o de eleger e ser eleito, e uma compressão legal inadmissível ao funcionamento de estruturas de participação política, voluntárias e elas próprias democráticas. Concordo apenas com a parte de ser uma restrição e uma compressão, mas que me parecem legítimas, desde logo porque se destinam a proteger o próprio sistema de vícios que o seu funcionamento natural traz.
Levaria isto a uma descaracterização ideológica dos partidos, a uma falta de capacidade para o exercício de cargos públicos, a um amadorismo de fação a tomar conta do Estado? Creio que isso está inteiramente por demonstrar. Ainda há poucos dias um antigo presidente de um governo regional explicava na imprensa como falsificou assinaturas, num ato eleitoral partidário, para eleger aquele que acabou por ser primeiro-ministro durante uma década... A política, afinal, acaba por ser uma coisa demasiado séria para ser deixada apenas aos políticos.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa