"O tempo da justiça não é o de quem perdeu os seus familiares. Tarde para luto"

Quase cinco ano depois do fogo, o julgamento - que começou há um ano - entra na última fase. Os arguidos são ex-autarcas, comandantes de bombeiros e funcionários da antiga EDP e Ascendi. São acusados de homicídio por negligência e ofensa à integridade física. Dina Duarte, da associação das vítimas, diz que existia a expectativa de ver mais acusados.
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Para quem perdeu os familiares da forma tão trágica como perdeu, o hoje já é tarde demais para se saber algo sobre a justiça deste país sobre o que aconteceu naquele fatídico dia, 17 de junho de 2017". O desabafo é de Dina Duarte, presidente da Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande (AVIPG) quando se refere ao julgamento do processo do fogo de Pedrógão Grande que entra esta quarta-feira numa nova fase: quase um ano depois do início do julgamento -- 24 de maio de 2021 -- começam em Leiria as alegações finais do processo do fogo de Pedrógão Grande."É tarde para que todas as famílias façam o processo de luto com base numa justiça que -- esperamos -- seja verdadeiramente justa e equilibrada", conclui.

A associação "tinha expectativas que estivessem mais protagonistas neste processo", referindo-se "a quem tivesse, na época, algum poder de decisão, em vez de ficarmos pelos que lá estão, que são os técnicos que têm que dar o corpo às balas quando lhes é solicitada a intervenção. Deveria estar ali quem tem outro patamar de responsabilidade".

Cinco anos depois do fogo, Dina Duarte espera que no final deste julgamento seja possível "ficar o sentimento de que algo se fez pela memória destas 66 pessoas, que não haja aqui a ideia de que a culpa morreu solteira, para que todos estes pais, estas mães e estes filhos possam agora também fazer aqui um outro início de processo de luto que ainda não fizeram. Porque estão a passar cinco anos e não é fácil ter cinco anos suspensas as nossas vidas, para se saber uma decisão". Dina Duarte diz compreender que "a justiça tem o seu tempo, mas o tempo da justiça não é o tempo do homem e da mulher que perdeu os seus familiares".

As alegações finais começam esta quarta-feira a partir das 09h30 com a intervenção da procuradora da República Ana Mexia. Para amanhã estão previstas as alegações dos mandatários dos assistentes e nas sessões seguintes deverão alegar os mandatários dos restantes intervenientes processuais.

Neste julgamento, que começou em 24 de maio de 2021, estão em causa crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves, decorrente do fogo que provocou 63 mortos e 44 feridos.

Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, responsável pelas operações de socorro e dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES), José Geria e Casimiro Pedro. A linha de média tensão Lousã-Pedrógão, onde ocorreram descargas elétricas que desencadearam os fogos, era da responsabilidade da empresa.

Três funcionários da Ascendi - José Revés, Ugo Berardinelli e Rogério Mota - estão também a ser julgados. A subconcessão rodoviária do Pinhal Interior, que integrava a Estrada Nacional 236-1, onde ocorreu a maioria das mortes, estava adjudicada à Ascendi Pinhal Interior.

Os ex-presidentes das Câmaras de Castanheira de Pera e Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente, o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves, estão também entre os arguidos, bem como o presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu.

Aos funcionários das empresas, autarcas e ex-autarcas, assim como à responsável pelo Gabinete Técnico Florestal, são atribuídas responsabilidades pela omissão dos "procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível", quer na linha de média tensão Lousã-Pedrógão, onde ocorreram duas descargas elétricas que desencadearam os incêndios, quer em estradas, de acordo com o MP.

No julgamento, dos 11 arguidos, prestaram declarações os funcionários da Ascendi e o presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos.

Segundo a agência Lusa o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande afirmou que iria prestar declarações, recuando depois, quando, após ter iniciado, foi interrompido pela juíza-presidente, a qual explicou que o tribunal não queria ouvir estados de alma, mas sim factos.

De acordo com informação disponibilizada no portal Citius, 20 pessoas constituíram-se assistentes no processo. Há ainda dez demandantes, incluindo a Segurança Social, Administração Regional de Saúde do Centro e vários centros hospitalares do país.

Entre os demandados estão os arguidos, Ascendi, antiga EDP Distribuição, Estado Português, Associação dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, e os municípios de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos.

O MP relata que na tarde de dia 17 de junho de 2017 registaram-se dois incêndios no concelho de Pedrógão Grande, que acabaram por se unificar ao final do dia, num processo designado de "encontro de frentes", que conduz a um mecanismo de comportamento "extremo de fogo".

O incêndio foi considerado extinto cinco dias depois, a 22 de junho. A área ardida foi de 24.164,6 hectares, abrangendo, além Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera, também os concelhos vizinhos de Alvaiázere e Ansião, todos no distrito de Leiria.

Os prejuízos apontados pelo Ministério Publico são de "pelo menos 90.325.487,84 euros".

Atualmente está a ser construído um monumento de homenagem às vítimas, da autoria do arquiteto Eduardo Sotto Moura, em cujo gabinete trabalhava uma das vítimas apanhada pelo fogo na estrada 236, onde morreram "encurraladas" pelas chamas 47 pessoas.

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