O sucesso do desenvolvimento de Macau
O Chefe do Executivo visitou Portugal no dia 18 de Abril, esta deslocação irá estreitar o intercâmbio e a cooperação entre Macau e Portugal, permitindo demonstrar a Portugal o sucesso do desenvolvimento de Macau ao longo de 20 anos após a transferência de Macau.
Nasci em Cabo Verde, no seio de uma família humilde. Num sítio e numa altura em que a principal preocupação das pessoas quando acordavam era salvaguardar que, nesse dia, haveria comida para si e para os seus filhos. Cheguei a Macau no início dos anos 90 para estudar direito - tendo feito parte dos primeiros bolseiros para a então recém-criada licenciatura em direito pela Universidade de Macau. Fui estudante bolseiro, estudante trabalhador e funcionário público até que, em 1997, me tornei advogado.
Vivi Macau na recta final da administração portuguesa e continuo, hoje, a viver e sentir Macau como a minha terra quando estamos a pouco tempo de celebrar os 25 anos da constituição da RAEM.
As opiniões são de quem as emite, as minhas são próprias e não as exponho à espera de que concordem acriticamente comigo.
Olhando retrospectivamente, tenho para mim que tanto a República Popular da China como a República Portuguesa vêem hoje a Declaração Conjunta Sino Portuguesa sobre Macau como um tratado que tem sido amplamente respeitado, sendo que nesse tratado estão sedimentados os pilares do fabuloso desenvolvimento que Macau conheceu ao longo dos últimos 23 anos.
Estes 23 anos de vivência com a Lei Básica têm demonstrado que, certamente com alguns incidentes pelo meio, por todos reconhecidos, a RPC tem respeitado esse compromisso internacional que assumiu com Portugal em relação a Macau e as autoridades portuguesas, ao mais alto nível, estão certamente bem informadas sobre o que se passa na RAEM, em especial com a comunidade portuguesa, com a comunicação social e com a área da justiça.
Enquanto advogado enfrento dificuldades no dia a dia, com algumas decisões apenas expressas em língua chinesa, como os meus colegas chineses também recebem decisões judiciais apenas em português, mas isso não me pode levar a afirmar que Macau tem violado na área da justiça, o princípio da igualdade da língua portuguesa e da língua chinesa como língua oficial.
Vejo e reconheço que existe um esforço por parte de juízes chineses em escreverem as sentenças em português quando os advogados são portugueses, nomeadamente quando os advogados das duas partes apenas dominam a língua portuguesa, apesar de se fazerem acompanhar de colegas que dominam as duas línguas para as sessões de julgamento, e isso tem sido notável.
Não posso colocar em causa todo um sistema, toda uma classe de profissionais forenses, mormente juízes - alguns dos quais portugueses -, pelo facto de não se ter tido acesso a uma tradução de uma decisão proferida e exarada em língua chinesa. As audiências de julgamento são sempre efectuadas com tradução simultânea, os advogados desempenham o patrocínio de forma livre, sofrendo por vezes constrangimentos legais ou até de excesso de zelo, as decisões, sobretudo a nível penal, afastam-se por vezes da matriz que enforma o nosso Direito, mas isso não me pode levar a generalizações e a afirmar sem mais que a Lei Básica não tem sido respeitada pelas diversas autoridades.
Em Macau, as liberdades fundamentais continuam a ser respeitadas e, se alguns direitos foram em determinada ocasião restringidos em função de outros direitos fundamentais, isso também acontece nas sociedades democráticas ocidentais, como aconteceu em Portugal durante a pandemia com a restrição de direitos fundamentais de liberdade de deslocação entre concelhos em face de uma questão de saúde pública.
Na base de um jurídico ordenamento jurídico sujeito ao estado de direito, é imperioso existirem advogados livres, independentes e isentos, servidores do Direito e da justiça, dignos da honra e responsabilidades que lhes são inerentes. E isso acontece na RAEM. Têm de existir juízes independentes, não recebendo ordens ou instruções, exercendo o poder judicial de forma séria e independente, e isso tem também acontecido na RAEM ao longo de 23 anos.
Há, de facto, uma verdadeira continuidade do sistema jurídico e se a língua chinesa tem tido alguma predominância, isso nada mais é do que o reflexo natural da evolução de uma sociedade com as características da nossa.
Os princípios basilares que presidiram à constituição da Região Administrativa Especial de Macau estão plasmados na Lei Básica, uma lei da Assembleia Popular Nacional. Não podemos querer que tudo se mantivesse como estava antes de 1999 e a transição nada fosse além da mudança de uma bandeira por outra.
Continuamos, residentes estrangeiros em Macau, a ser acarinhados e respeitados. O que mudou não mudou apenas para nós, mudou para todos os que, como nós, vivem e sentem Macau. Não perceber a nova realidade que é vivida na RAEM é o início da estrada do descontentamento, da frustração.
A Lei Básica de Macau está viva e recomenda-se. A China e Portugal têm respeitado os princípios e valores fundamentais que foram acordados naquele tratado internacional depositado nas Nações Unidas e materializado pela Lei Básica em 1993.
Vivo numa sociedade pluralista, onde cada um de nós tem direito à sua opinião e deve continuar a ter espaço e liberdade para a exprimir. E onde os outros, de forma respeitosa e civilizada, devem continuar a dela poder discordar.
Costuma dizer-se que duas árvores não fazem a floresta, e que uma pessoa não faz uma manifestação, faz um protesto.
Na actual RAEM, os protestos são aceites e ouvidos, as opiniões consideradas e os erros aproveitados para melhorar.
Membro da direcção da Associação dos Advogados de Macau