"O Standard de Liège é um clube à minha imagem"
Como surgiu a possibilidade de treinar o Standard de Liège?
O convite surgiu através do Olivier Renard, diretor desportivo do Standard, que jogou comigo no clube. Tive uma conversa com ele e com o presidente Bruno Venanzi para perceberem qual era a minha ideia, a minha forma de pensar, de liderar e de estar como treinador. Depois voltámos a falar para me dizerem que estava contratado...
Mas tinha acabado de renovar com o Atromitos, da Grécia...
Sim, mas eles sabiam que a qualquer momento poderia sair. Eu sabia que podiam surgir convites, mas também me sentia bem no Atromitos e por isso aceitei renovar. Eles perceberam que eu não podia deixar fugir esta oportunidade e resolvemos as coisas facilmente. Não podia dizer que não ao Standard.
O Standard de Liège não é um clube qualquer para o Ricardo Sá Pinto...
Nem para mim nem para a Europa do futebol!
... Tem essa particularidade de ter sido o clube onde acabou a carreira de jogador...
Sim. Eu joguei aqui há dez anos, foi pouco tempo, no fim da carreira, com 34,35 anos, mas ainda ajudei a equipa a chegar à final da Taça e a assegurar o 3.º lugar no campeonato. Foi uma época positiva apesar de ter tido duas lesões chatas nesse ano. Consegui ter rendimento e ajudar alguns bons jogadores em início de carreira, casos do Witsel e o do Defour, que jogaram em Portugal, e do Fellaini, que na altura tinham 18 anos e estavam a aparecer na equipa. Eu e o Sérgio Conceição tivemos essa particularidade de ajudar esses jogadores que vieram a ser grandes estrelas do futebol mundial.
E agora, dez anos depois, que clube encontrou?
Um clube grande, com fome de vencer, ansioso por voltar a fazer parte dos melhores da Bélgica, o que nos últimos tempos não tem conseguido. Um clube estável financeiramente, com condições extraordinárias para se poder trabalhar. Tem duas grandes academias, uma para a formação, outra para o futebol profissional, e gente simpática e afável que me recebeu bem. Tem um plantel jovem com talento, com vontade de aprender e evoluir e que quer ter sucesso. O objetivo principal assumido por todos é conseguir um lugar no play-off 1, ou seja, ficar nos primeiros seis lugares. Mas temos de ir com calma! O Standard atual não é o do meu tempo. Nós lutávamos pelo título e havia quatro ou cinco equipas que se destacavam, hoje é muito mais competitivo e há pelo menos oito equipas, com o campeão Anderlecht, que podem chegar ao play-off 1 - os seis primeiros entram com metade dos pontos adquiridos na primeira fase. Jogam entre si, em casa e fora, e o que conquistar mais pontos é o campeão.
E no imediato? Qual é a prioridade?
Temos de recuperar a mentalidade do clube sem medo de sermos ambiciosos. Já disse aos jogadores que, juntos, podemos alcançar boas coisas, que têm de lutar até ao fim em todos os jogos, nunca dar uma bola, um lance, um jogo como perdido. É preciso reduzir o plantel, é impossível trabalhar com 38 jogadores. Há uma boa base, mas falta um ou outro reforço. A prioridade é cortar no plantel e o ideal é ficar com 25 ou 26.
Pode haver recurso ao mercado português?
Para mim a prioridade é sempre o mercado português, mas nem sempre é possível. No Atromitos era uma prioridade que eu achava concretizável e até já tinha dois ou três alvos apalavrados, mas aqui é difícil, já estamos num patamar e num nível diferente. O Standard já exige jogadores de outro nível e é preciso ter capacidade financeira para chegar a esses futebolistas.
Já deu para perceber como os belgas olham para o futebol português?
Olham com admiração para o futebol português, eles gostam do carácter e personalidade do jogador português e do povo português em geral. Eu e o Sérgio Conceição fomos cá muito respeitados e admirados, deixámos aqui uma marca. E agora está aqui o Orlando Sá, que é um dos avançados da equipa e tem tido sucesso, que por pouco não foi o melhor marcador da liga belga.
E o Sá Pinto como olha para o futebol belga?
Há muito bons jogadores na Bélgica e ainda não percebi porque não têm mais sucesso como seleção. Não conheço bem a forma de trabalhar dos treinadores belgas, tirando o Michel Preud"homme. Sei que existe uma grande preocupação com a questão física, são muito analíticos e trabalham muito a questão psíquica e fisiológica dos jogadores. A metodologia é mais convencional, nas primeiras duas semanas da pré-época, por exemplo, quase nem se toca na bola, é físico, físico, físico... Nós, treinadores portugueses, trabalhamos mais de forma integrada, em que o mais importante é pôr a equipa a treinar da forma como queremos que jogue, integramos sempre a componente física, psicológica, técnica e tática.
E isso dá vantagem ou desvantagem ao Sá Pinto e ao Standard nesta época?
Não sei. Temos de nos saber adaptar ao clube, à cultura do país, ter flexibilidade em algumas situações sem perder a nossa identidade. Um treinador que não se saiba adaptar a um futebol, a um clube e a um país não pode ser treinador, não tem futuro. Agora, eu para ter sucesso preciso que funcionem muitas variáveis, mas espero ser assertivo.
Pela primeira vez, tirando o Sporting, tem um projeto à sua imagem?
Sim. Não há projetos ideais, mas o Standard é um clube à minha imagem, com ambição, e eu espero fazer uma equipa à minha imagem também.
O que mudou desde a primeira experiência como treinador no Sporting. É mais treinador agora, depois de passar pelo Estrela Vermelha, OfI Creta, Belenenses e Atromitos?
Pouca coisa mudou. Olho para trás e não vejo muita coisa que podia ter feito de forma diferente. Existem coisas que têm de evoluir naturalmente porque o futebol está em constante evolução. Os treinadores têm de acompanhar a evolução do futebol e do treino, agora, a minha essência, a minha personalidade e a minha forma de ser, estar, viver e liderar são iguais. Eu sei que quando abraço um desafio estou preparado para ele, mas por vezes é preciso haver uma simbiose para que as coisas funcionem. Há treinadores que são campeões e no ano a seguir lutam para não descer... O segredo é ter o maior número de informação possível para tomar as melhores decisões possíveis e ser o mais assertivo possível. Isso é o que eu ambiciono num treinador. Hoje em alta competição já não há maus treinadores ou treinadores pouco preparados. A exigência é muita, a competitividade é muita e a oferta é muita...
O que faz a diferença então?
Os resultados. Há treinadores que funcionam em determinado projeto, clube, e outros não. São os resultados que fazem de ti um bom treinador.