O SONHO DE CRIAR INTELIGÊNCIA
A grande e cheia sala de espera do hospital Aidu Chuo de Aizu-Wakamatsu, uma cidade de tamanho médio nas montanhas centrais da ilha principal do Japão, seria como qualquer outra se não fosse um brilho esverdeado intenso e intermitente e uma voz mecânica que vai repetindo a intervalos: "Posso ajudá-lo em alguma coisa?" Os dois robots guias do centro de saúde privado repousam em dois cantos e fazem-se ouvir até que algum paciente curioso se aproxima deles. Uma jovem acerca-se e aperta o botão na cabeça achatada com orelhas de cachorro e o robot pergunta-lhe se ela deseja que lhe meça a tensão arterial ou que a acompanhe a algum sítio. "Onde é a consulta 514?", pergunta-lhe a surpreendida paciente e o andróide começa a mover-se. "Siga-me", diz-lhe, e oferece-se para lhe levar a carteira, que a mulher coloca sobre o delgado mas poderoso braço - aço coberto de plástico. As rodas do robot deslizam seguindo uma fita adesiva branca colada ao chão, até que chegam ao elevador, o andróide detém-se e informa a mulher de que deve subir até ao quinto andar e virar à direita.
O hospital Aidu Chuo, situado numa cidade de lendas de samurais onde os invernos ainda são de neve, conta com dois robots guias capazes de cantar cânticos de Natal e com outro recepcionista, que projecta na parede o trajecto que o interessado deve percorrer. "Somos o primeiro hospital a introduzir robots de serviço e fizemo-lo para que as pessoas se vão acostumando e, ao mesmo tempo, se divirtam enquanto aguardam a sua vez, porque no futuro, e mais com as pessoas mais velhas, será muito habitual o contacto com os robots", explica Naoya Narita, porta-voz do centro, que convocou um concurso público para que as pessoas locais decidam que nome pôr a cada robot. Os três modelos foram fabricados pela Tmsuk, uma empresa pequena que apostou no mercado incipiente dos robots guias, de informação e de segurança. E apesar dos japoneses, em geral, tolerarem com agrado a presença de humanóides ou outros engenhos robotizados, não se renderam ainda à utilidade dos robots do hospital.
Os investigadores confirmam que nos encontramos na alvorada dos robots de serviços, mas o governo japonês fez uma aposta firme no seu desenvolvimento, e o ponto de partida simbólico foi a Exposição Universal de Aichi, em 2005, onde apresentaram mais de quarenta protótipos. "Estou convencido de que, durante as nossas vidas, veremos tantos robots úteis que não saberemos desenvencilhar-nos sem eles, como aconteceu com os computadores", afirma Hiroshi Ishiguro, professor de Sistemas Mecânicos Adaptados da Universidade de Ósaca.
Na realidade, as palavras e a voz de Ishiguro foram emitidas através da sua réplica robotizada, à qual chamou Geminoid, um clone de silicone do seu criador. Hiroshi Ishiguro, com perto de quarenta anos, não teme envelhecer, tendo à frente o seu retrato mecânico. "Acostumamo-nos, da mesma forma que os meus filhos se acostumaram no dia em que levei o Geminoid para casa; demoraram várias horas até lhe falar e a princípio estavam assustados, mas rapidamente se comportaram como se fosse eu próprio", confessa exultante.
O professor Ishiguro insiste em que faça uma entrevista a Geminoid. Pergunta após pergunta, o humanóide vai respondendo e, enquanto gesticula, faz trejeitos com a cara e, se há algum ruído, gira bruscamente a cabeça na direcção do barulho. Estas características diferenciam Geminoid - que recebeu o implante de cabelo do professor, tem as mesmas sardas e sinais e veste a mesma roupa - de uma boneca operada por controle remoto, ainda que a sua operacionalidade como robot seja muito limitada. Geminoid pestaneja e mexe as pupilas de forma intuitiva, mas os seus olhos vêem apenas através de umas câmaras exteriores; mexe a boca articuladamente, mas não fala, apenas transmite a voz de Ishiguro através de um altifalante. Geminoid gesticula, mas é um andróide imóvel, que tem de estar sentado porque os cabos de ar comprimido que facilitam os seus movimentos entram pela cadeira. "O importante é a presença, não a inteligência, pois para conseguirmos um humanóide inteligente perfeito ainda nos faltam décadas ou séculos, com a tecnologia que temos actualmente ao nosso alcance", diz o professor, cujo interesse primordial é o estudo da relação entre o robot e o ser humano.
Geminoid tem uma irmã de silicone, chamada Repliee Q, cujo rosto foi feito segundo as directrizes de um estudo que determinava o aspecto facial médio das japonesas. Há uns dois anos, Repliee Q apresentou um noticiário nocturno na televisão, uma experiência feita mais para estudar a reacção das pessoas. "Quando nos relacionamos com um robot, actuamos de forma diferente, mas com um humanóide tipo réplica acabamos por nos acostumar", assegura Ishiguro.
Replicante na reunião
Talvez este princípio de presença que os japoneses chamam Sonzai-kan seja a porta para que, num futuro não muito distante, os presidentes e os conselheiros delegados de grandes empresas possam dirigir reuniões ainda que estejam fisicamente a milhares de quilómetros de distância. O sistema é simples. O replicado fala através do replicante graças à ligação por Internet. "A próxima vez que tenha de fazer uma conferência na Austrália enviarei o Geminoid e, assim, poderei fumar e fazer o que quiser enquanto os estudantes fazem as perguntas", acrescenta Ishiguro, o qual deixa para as empresas privadas a procura de aplicações mais práticas para os seus robots. Muitas companhias investem no Instituto de Investigação Avançada de Telecomunicações (ATR), no parque tecnológico de Kansai, perto de Ósaca, onde está guardado o Geminoid, projecto financiado pela empresa Kokoro. Pelos corredores do ATR, deambula, às vezes, outro protótipo, Robovie 4, um robot de ajuda capaz de entabular uma conversa curta com quem encontrar no seu caminho. Robovie 4, baixinho e rechonchudo como a maioria dos andróides (que escondem sob o avultado tronco a bateria de alimentação e o computador), também está a ser utilizado para analisar as reacções das pessoas. Mas é Geminoid quem remete ao princípio da criação e abre o dilema dos limites da investigação. A aspiração dos cientistas deverá ser a de conseguirem réplicas humanas como no famoso filme Blade Runner? Por outro lado, se no futuro se vão enviar robots para fazerem a guerra, não é melhor que tenham aspecto humano e expressem sofrimento quando forem abatidos para que não esqueçamos a destruição que está presente em todas as guerras?
"De momento não há muito com que nos preocuparmos, pois hoje um menino de três anos tem mais inteligência do que um robot", assegura Tsukasa Ogasawara, professor do Laboratório de Robótica do Instituto Nara de Tecnologia e Ciência Industrial Avançada (Naist), outro centro de investigação privado no coração da região industrial de Kansai. No Naist investigam com o protótipo HRP-2, um robot criado pelo equivalente ao CSIC japonês - o Instituto Nacional de Ciência Industrial Avançada e Tecnologia (AIST), o organismo público que tenta aplicar a política de dar prioridade à robótica de serviços. A indústria da robótica industrial movimenta no Japão, o líder mundial do sector, cerca de seis mil milhões de dólares anuais, mas o interesse por fomentar a robótica de humanóides responde ao envelhecimento da população. As autoridades calculam que em 2050 38% da população japonesa tenha mais de 65 anos e, para manter o estado de bem estar, não há outro remédio senão criar robots. Existe também a possibilidade de favorecer a imigração.
O HRP-2 tem uma silhueta facilmente reconhecível e futurista. É o mais parecido com um guerreiro Mazinger-Z, e o seu aspecto exterior foi desenhado pelo conhecido autor de manga - banda desenhada japonesa - Yutaka Iyubuchi. Trata-se de um humanóide capaz de caminhar, mas a equipa de Ogasawara decidiu sentá-lo para explorar mais a fundo as suas capacidades manuais. "Passa-me um jornal", ordena um membro da equipa. O HRP-2 responde: "Qual queres, o da direita ou o da esquerda?" "O da direita", especifica o aluno de Ogasawara. O robot levanta o seu volumoso braço, pega no jornal da esquerda e entrega-lho. "Deste-me o da esquerda", protesta o aluno. "Os robots também se enganam", desabafa o HRP-2, que ainda não tem a capacidade de se rir das suas próprias piadas. Mas o HRP-2 pode pintar a cara do seu interlocutor, procurar no seu interior a ligação à Internet e ler os títulos da imprensa ou informar sobre o tempo que vai fazer em determinado lugar, entre outras funções.
A equipa de Ogasawara investiga a flexibilidade das suas mãos, aspira conseguir que ele possa vir a pegar e a transportar cadeiras ou mesas. "Muitas coisas são possíveis, mas fazê-las ao mesmo tempo é a parte difícil. Um ser humano é muito complicado, e reproduzi-lo num robot é quase impossível. Pode dotar-se um robot de vista, mas as câmaras têm um ângulo de visão de 60 graus, e o olho humano de 180; o olho humano pode ver ao perto e ao longe ao mesmo tempo, mas a câmara não; o ser humano adapta-se à mudança de luz se sair do interior para o exterior, mas um robot não; e há muitos mais exemplos semelhantes."
O robot perfeito depende do êxito da investigação da inteligência artificial. Para o professor Yasuo Kuniyoshi, do departamento de Física Aplicada da Universidade de Tóquio, considerada a melhor da Ásia e uma das 15 melhores do mundo, o segredo encontra-se fora da computação. "A inteligência surge da interacção, não sai unicamente dos genes mas também da experiência, o corpo dá forma ao cérebro, assim, o robot deve ter os mecanismos físicos para aprender e não apenas uma programação informática", diz Kuniyoshi.
Yasuo Kuniyoshi criou um robot saltitão, um andróide com 50cm de altura, capaz de flectir o corpo e dar um impulso num colchão para aterrar numa cadeira. "Há que dar inteligência aos robots porque essa é a única garantia para que possam ajudar em casa, caso contrário poderiam matar-nos e nem dar conta disso", expõe o professor Kuniyoshi, o qual acredita que o robot mais conseguido até ao momento é o Asimo da Honda.
Asimo fala, sobe escadas, corre e até persegue um grupo de crianças na rua num anúncio televisivo emitido no Japão. Asimo é um robot autónomo, encurvado, que parece carregar uma mochila e chegou a fazer demonstrações, servindo comida, numa bandeja, num quarto de hospital. Asimo, cujo nome é uma homenagem ao escritor e cientista já falecido Isaac Asimov, redactor das três leis da robótica que ainda guiam os investigadores, está em exibição no museu Miraikan de Tóquio, onde as crianças se acostumam à presença de robots nas suas vidas. O Miraikan encontra-se na zona ganha ao mar de Odaiba, onde também pululam robots de segurança no centro comercial Aqua City. Os humanóides do Aqua City, da empresa Alsok, despertam mais simpatia do que medo, são mais como peluches de aço do que Robocops justiceiros, mas registam nas suas entranhas o que escapa às câmaras de vigilância.
Robots para o dia-a-dia
Os cientistas acreditam que os primeiros robots ao serviço do ser humano, num prazo de 20 anos, serão acompanhantes para ir às compras - carregarão os embrulhos - ou outros robots guias. Até agora, os principais robots não foram comercializados. O Asimo foi utilizado pela Honda como referência da capacidade de investigação da marca automobilística, que continua a usar robots nas suas fábricas de montagem e que aspira chegar ao robot condutor. A Toyota, por exemplo, respondeu com um robot que toca trompete e que se exibe na principal loja da marca em Tóquio.
Igualmente, a Sony, que se atreveu a vender o seu cão robot Aibo, já deixou de o comercializar por falta de rentabilidade. A empresa Mitsubishi lançou em 2005 o primeiro robot doméstico, ao qual chamaram Wakamaru, mas retiraram-no depois de ter vendido menos de 70 unidades. O Wakamaru, que faz lembrar o boneco Michelin mas em amarelo, estava projectado para fazer companhia em casa e era capaz de aprender em que divisões podia entrar, a enviar e-mails e avisar quando o dono recebia algum, a vigiar se alguém tentava entrar, a identificar os membros da família, a recordar datas e procurar documentação com interesse.
O departamento de Robótica Real da Universidade de Tohoku, a cerca de 300 quilómetros a norte de Tóquio, também persegue aplicações concretas para os robots, como um robot anfíbio que pesquisa escombros em busca de sobreviventes de terramotos, um fenómeno muito recorrente no Japão. O governo japonês investiu 20 milhões de dólares neste projecto que deve estar operacional em cinco anos e que consiste num robot com câmaras e sensores térmicos que se adapta a terrenos rugosos.
O departamento que investiga os humanóides em Tohoku, dirigido pelo professor Kosuge, conseguiu criar uma companheira de baile que já aprendeu cinco dos 19 passos da valsa e que pode intuir os movimentos que o seu par humano vai fazer. "Muitos investigadores fazem modelos sem se preocuparem com a vertente prática, mas o facto é que estamos nas primeiras fases e o importante é analisar a interacção entre o robot e o ser humano", diz Kosuge.
Perto de Aichi, na cidade de Nagoya, inaugurou-se o primeiro Museu do Robot, onde se podem admirar os últimos modelos e também se explicam as origens do fascínio dos japoneses pelos autómatos, como as bonecas de servir o chá do século XV, que já eram engenhos capazes de movimentar-se em direcção ao tatami quando o peso da chávena cheia com a infusão activava um complexo mecanismo de roscas e engrenagens.| *Exclusivo DN/Magazine