O sonho americano do selecionador Nuno Merino só está a começar
"Aterrei nos Estados Unidos sem nada, com duas malas de roupa. Não me passava pela cabeça chegar aqui, muito menos passados apenas três anos e meio... nunca tão cedo." O discurso não engana: Nuno Merino está a viver o sonho americano. O antigo ginasta português, de 33 anos, foi nomeado, na semana passada, treinador principal das seleções de trampolins dos EUA. Mas esse é só o começo: a sua ambição é levar a disciplina a atingir outro nível no país de acolhimento.
Nuno Merino não esconde o "orgulho" no cargo a que chegou. Já é raro encontrar-se um português como selecionador nacional de qualquer modalidade num país estrangeiro. E nos EUA, provavelmente a maior potência desportiva mundial, isso roça o inédito. "Quando me ofereceram o cargo nem pensei nisso, só pensei em ajudar a equipa dos EUA a ser melhor. Mas, realmente, não conheço mais treinadores portugueses que se tenham tornado selecionadores dos EUA. Tento ser humilde, mas é um marco importante para o desporto nacional", afirma o antigo ginasta (sexto na prova de trampolins nos Jogos Olímpicos de Atenas 2004), em declarações ao DN.
Como é que isso se tornou possível? Depois de ter abandonado a competição, como atleta, em 2012, Nuno Merino mudou-se para os EUA. E desde o início de 2013 que treina no The Matrix Gym (em Huntsville, no Alabama), para onde foi a convite da técnica que então dirigia a equipa. Esse trabalho abriu--lhe as portas da seleção estado--unidense. "Esta oportunidade apareceu devido ao trabalho que tenho feito desde que cheguei aqui aos EUA. Conhecia já há algum tempo as pessoas que estão à frente da federação e elas tinham uma boa impressão do meu trabalho", explica.
O convite é, também, "um reconhecimento da ginástica portuguesa", frisa o treinador natural de Tomar. Apesar de grande tradição dos norte-americanos na modalidade - principalmente na variante artística -, Portugal "está sem dúvida à frente dos EUA" na disciplina de trampolins. "O sistema português não é perfeito, mas os ginastas estão habituados a lutar com as dificuldades e a ultrapassá-las", nota Merino. Por isso, um dos seus objetivos é inculcar esse espírito de superação nos estado-unidenses.
Projeto para quatro ou oito anos
O português terá a cargo o planeamento e a programação de treinos das seleções dos EUA, bem como o acompanhamento do trabalho individual dos atletas com os respetivos treinadores. Mas quer contribuir para algo mais profundo, a criação de uma "escola" de técnicos, que facilite a deteção e preparação de jovens talentos dos trampolins. "Gostava de criar uma linha para que outros treinadores possam aprender e garantir maior desenvolvimento para os atletas", descreve Nuno Merino, tomando por exemplo a ginástica artística - de onde têm brotado sucessivas meninas-prodígio, como Gabrielle Douglas e Simone Biles.
"Os trampolins estão, sem dúvida, atrás da artística. Há muitos pormenores que têm de ser corrigidos, mas no próximo ano vamos ter um orçamento mais elevado. No Rio 2016 cumpriram o esperado [15.º lugar em femininos, 11.º em masculinos], mas, preparando-nos melhor, podemos encarar os Jogos Olímpicos daqui a quatro ou oito anos com mais expectativas", aponta o antigo ginasta. O sonho por alcançar é a conquista de uma medalha olímpica: o melhor que um(a) estado-unidense alguma vez conseguiu foi o 6.º lugar (Savannah Vinsant, em Londres 2012).
Para alcança-lo, o melhor que um treinador pode exigir a um atleta é dedicação extrema. E isso não falta nos EUA, um país "com uma cultura desportiva completamente diferente" da existente em Portugal. "Aí, é muito difícil convencer os pais de que uma criança de 8 anos deve treinar três vezes por semana, aqui é preciso explicar-lhes que não é preciso treinar todos os dias", conta.
Essa diferença de mentalidades foi um dos motivos que levaram Nuno Merino a embarcar no sonho americano, para poder dedicar-se a tempo inteiro ao treino. "Em Portugal, estava num clube onde só podia dar treino das 18.00 às 21.30. Aqui trabalho das 13.30 às 20.00 e dou treino de manhã quando há necessidade, porque há muitos miúdos que estudam em casa e podem fazer horários à sua medida", esclarece o técnico.
As dificuldades e as novas metas
O antigo atleta olímpico também teve de adaptar-se a outras diferenças, ao mudar-se para Huntsville, das pessoais ("senti a falta da família, de estar com o meu irmão todos os dias, e foi preciso criar novos laços de amizade") às desportivas ("cada competição é como se fosse um evento internacional, ir a uma prova num estado vizinho é como ir a França"). No entanto, tudo se tornou mais fácil ao conhecer a futura mulher. "Tive a sorte de encontrar uma mulher fantástica [com quem se casou em agosto de 2015], que me ajudou bastante a entender as coisas que não entendia da perspetiva norte-americana", conta.
Por tudo isso, Nuno Merino - que praticava ginástica desde os 4 anos mas demorou a perceber o quanto gostava daquilo ("desisti aos 13, mas continuava a ir buscar o meu irmão ao ginásio e um ano mais tarde percebi que havia coisas que gostava de fazer, voltei a praticar e descobri uma paixão completamente diferente" - agora só quer honrar o compromisso com a federação dos EUA e depois ver que portas se abrem. "Gostava de ficar algum tempo na seleção americana e depois treinar outra seleção, quem sabe a portuguesa", aponta. Mais próxima está também a meta de abrir o seu próprio ginásio, conclui o treinador: "Aqui os sonhos são mais passíveis de serem concretizados."