O socialismo volta a sair da gaveta

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1. Na semana passada, José Sócrates sentia-se "sozinho a puxar pelo País". Já não está! Agora, pelo menos no dossier PT/Telefónica/Vivo, tem a companhia de Francisco Louçã, Jerónimo Sousa e até, imagine-se, Paulo Portas! Uma alargada frente comum contra os malditos capitalistas, e também - imagino - contra a maioria dos accionistas empenhados em aceitar a proposta de 7,15 mil milhões de euros pelos 50% que a PT detém na Vivo.

A ideia que o Governo português tem das suas principais empresas, PT, Galp, EDP, ficou muito clara. Elas devem ser privadas para se financiarem em bolsa e procurarem uma gestão competente (que o Estado nunca sabe exercer), mas os respectivos accionistas que não pensem em ser independentes ao ponto de poderem dispor do dinheiro que arriscam. O Estado, melhor dizendo, o Governo, talvez ainda melhor, o primeiro-ministro, é que sabe. E, neste caso, "o Governo fez o que devia para defender os interesses estratégicos de Portugal e da PT".

2. Faço questão de prestar a minha homenagem à coerência de Louçã e de Jerónimo de Sousa. Sei que acreditam piamente no que agora dizem. Mais: tenho a certeza de que se governassem nacionalizariam qualquer das empresas nacionais consideradas estratégicas. Elas voltariam à posse do Estado, e os Rui Pedro Soares desta vida seriam nomeados sem recurso a sofismas. A PT começaria em Monção, acabaria em Vila Real de Santo António, não teria nunca estratégia de expansão internacional, e nenhuma Telefónica se preocuparia com os cêntimos desse negócio. E que se preocupassem!...

O que não consigo entender é um Governo que não tem coerência nas suas decisões e estratégias económico-financeiras e só preza os capitalistas enquanto eles se revelam úteis e amestrados.

Uma economia saudável, como o Governo já reconheceu noutras ocasiões, precisa de empresários ambiciosos à frente de projectos dinâmicos, independentes.

3. Para que não fiquem dúvidas: gostava de continuar a ter uma PT forte, internacional, de matriz portuguesa, e que os accionistas tivessem sido sensíveis à argumentação da administração da empresa, liderada por Henrique Granadeiro e Zeinal Bava. Ambos fizeram um notável trabalho de defesa das suas convicções durante dois meses. Por causa disso, a Telefónica teve de subir três vezes a oferta, até acabar nos agressivos 7,15 mil milhões a poucas horas de uma assembleia geral de accionistas que com a proposta anterior estava perdida.

Acho ainda bem que o Governo se tivesse empenhado, como acredito que o fez, em esgrimir os seus argumentos de longo prazo perante a visão porventura mais aflita e de necessidade dos accionistas nacionais. E tenho pena que esse mesmo governo não tivesse sido capaz de ajudar a cimentar convenientemente o até agora inexpugnável núcleo duro da PT.

O problema, neste caso, está nas minhas convicções de fundo, que passam por cima do voluntarismo, ou provincianismo, desta intervenção de força do Governo ancorada num privilégio que já não tem razão de ser, mesmo sendo ainda legal. Acredito na economia de mercado, devidamente regulada, e ainda acre-dito na Europa. Ora, se acredito nisto, não posso integrar este frentismo económico que nos desprestigia e apouca.

Depois da Marktest, a Universidade Católica. Temo que, com mais uma sondagem no mesmo sentido, José Sócrates ainda se veja obrigado a escrever um artigo no "Sol" ou a patrocinar o reaparecimento de Manuela Moura Guedes na TVI. Já esteve mais longe. E também já vi coisas menos coerentes…

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