O "sobrevivente" Díaz-Canel será fiel ao legado dos Castro
Nos últimos anos de Fidel Castro no poder, Carlos Lage (foi vice-presidente) ou Felipe Pérez Roque (chefe da diplomacia) eram os nomes que se falava para a sucessão geracional em Cuba. Mas acabaram por desaparecer do mapa. Ontem, sem os mencionar, Raúl Castro referiu-se àquele que foi eleito como seu sucessor como o "único sobrevivente" de um grupo de jovens que foram sendo preparados para assumir a liderança da ilha. E destacou as "virtudes, experiência e dedicação ao trabalho" de Miguel Díaz-Canel que, por seu lado, disse que se irá manter fiel ao legado de Fidel e Raúl.
"Assumo esta responsabilidade com a convicção de que todos os revolucionários, desde qualquer trincheira, seremos fiéis a Fidel e a Raúl, líder atual do processo revolucionário", indicou o novo presidente, que não poupou elogios ao seu antecessor. "Raúl mantém-se na vanguarda política. Ele continua a ser o nosso primeiro secretário [do Partido Comunista de Cuba] como o referente que é para a causa revolucionária, ensinando e sempre pronto a enfrentar o imperialismo, a ser o primeiro, com a sua arma na hora do combate", acrescentou.
Raúl, que falou depois, também foi bastante elogioso para com o sucessor. "Ao contrário do que aconteceu no passado com outros jovens dirigentes não cometemos o erro de acelerar o processo", disse em relação à sua formação ao nível do PCC, onde ocupou distintos cargos. Reiterando que a sua ascensão "não foi fruto da sorte nem da pressa", o ex-presidente disse confiar no seu "sucesso absoluto" e deixou claro que, quando chegar a hora, será também um bom sucessor na liderança do partido. Se não houver surpresas, Raúl só deixa esse cargo em 2021.
Díaz-Canel, que hoje faz 58 anos, foi eleito presidente do Conselho de Estado com o voto de 603 dos 604 delegados, junto com os outros membros - incluindo o primeiro vice-presidente, Salvador Valdés Mesa, e cinco vice-presidentes. A eleição do novo Conselho de Ministros será só na próxima sessão da Assembleia Nacional, em julho.
"Não venho prometer nada, como nunca o fez a Revolução em todos estes anos. Venho cumprir o programa que nos impusemos com as diretrizes do socialismo e da Revolução", indicou Díaz-Canel. Essas diretrizes foram aprovadas pela Assembleia Nacional e o Partido Comunista de Cuba e estabelecem as orientações políticas e económicas até 2030. O novo presidente explicou ainda que o mandato dado pelo povo cubano é o de dar continuidade à Revolução "num momento crucial da história".
Em fevereiro de 2008, quando assumiu oficialmente o poder em Cuba, depois de dois anos como líder interino, também Raúl Castro falou na necessidade de "continuar a fortalecer a Revolução num momento histórico". Naquela altura, a saída oficial de Fidel. Agora, o facto de ser a nova geração nascida após a vitória de 1959 a ascender ao poder e de, pela primeira vez em quase 60 anos, não haver um Castro à frente dos destinos do país.
"Aqui não há espaço para uma transição que desconhece ou destrói a obra da revolução. Seguiremos em frente sem medo e sem retrocessos, sem renunciar à nossa soberania, independência, programas de desenvolvimento e independência", disse Díaz-Canel, indicando que o período que agora começa será caracterizado pela "modernização da economia e do modelo social". Há dez anos, já Raúl Castro dizia estar "consciente dos enormes esforços que requer fortalecer a economia", deixando agora o poder reconhecendo que sempre pensou que "nesta altura" se teria "avançado mais" na aplicação das reformas que o seu governo implementou.
Díaz-Canel lembrou no seu discurso que não há espaço para o regresso do capitalismo, reiterando que "a revolução continua e continuará" e lamentando que "o mundo tenha recebido a mensagem errada de que a revolução termina com os seus guerrilheiros". Quanto à política internacional, o novo presidente assegurou que se "manterá inalterável" e que a ilha "não fará concessões contra a sua soberania e independência" nem "negociará os seus princípios". Nunca referiu os EUA, com quem Cuba mantém uma relação tensa desde a eleição de Donald Trump, ao contrário de Raúl que em 2008 criticara as "declarações ofensivas e abertamente intrometediças do império".
Agora, tal como então, coube a Raúl as críticas ao vizinho do Norte, aludindo nos eu discurso à "atitude neo-hegemónica dos EUA, cujo compromisso com a Doutrina Monroe foi ratificado, especialmente com a exclusão da Venezuela" da Cimeira das Américas". O ex-presidente falou ainda das boas relações diplomáticas com a União Europeia e do avanço dos vínculos com a China, defendendo a libertação de Lula da Silva, por considerar "arbitrária e injusta" a detenção do ex-presidente brasileiro. Rejeitou também as acusações de violações de direitos humanos em Cuba.