O Sistema de Justiça como eixo estratégico nacional

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O sistema jurídico de um país é determinante para a sua justiça social e para o seu sucesso económico. Um sistema de justiça ágil e transparente que garanta isenção, previsibilidade e rapidez, resolve problemas sociais, tantas vezes gravíssimos, atrai investimento e estimula a atividade económica.

Acabar com o persistente congestionamento dos nossos tribunais e agilizar a justiça é um desiderato estratégico na atração de investimento e, do mesmo modo, no desencorajamento da corrupção que, como é sabido, tende a florescer onde prolifera a burocracia e há entraves ao funcionamento dos tribunais. Mais: constitui uma forma de libertar milhões e milhões de euros que poderiam estar na economia e estão presos em intermináveis processos de execução e insolvência de bancos e de empresas.

Com esse propósito, e a par de medidas simples - v.g. permitir às secretarias judiciais marcar as datas das audiências e proferir despachos de mero expediente e outras medidas práticas similares -, o próximo Governo deve fazer a transição digital da Justiça, tantas vezes apregoada e nunca feita. Temos os meios. Tem faltado a vontade ou a competência. As plataformas Citius ou Sitaf carecem de renovação profunda e devem ser unificadas. Devem igualmente ser abraçados e melhorados os meios telemáticos. Deve ainda promover-se a realização de diligências judiciais remotas.

Em matéria digital, temos que ser arrojados e podemos ser pioneiros em Inteligência Artificial no domínio da Justiça. E temos em Portugal a inteligência real para o fazer.
Por outro lado, deve adotar-se, como regra, o depoimento escrito e antecipado das testemunhas, certamente com possibilidade de contra-interrogatório pela contraparte.

Deve ponderar-se, nos casos em que tal se mostre possível - tanto na jurisdição cível, como na administrativa - a atribuição de um poder potestativo a qualquer das partes para exigir arbitragem (arbitragem necessária) para casos pendentes há mais de 2 anos sem que o tribunal agende julgamento. Devem ser definidos prazos máximos para a decisão dos processos, com a concomitante responsabilização do Estado pela sua ultrapassagem. Deve fixar-se um limite temporal para a produção de prova testemunhal. Devem ser criados tribunais colegiais em primeira instância para processos cujo valor da causa exceda a alçada do Tribunal da Relação. Devem também admitir-se assessores para os juízes nos tribunais de 1.ª instância, como já sucede noutros países.

Noutro plano, registe-se que as insolvências se arrastam por anos, sem prejuízo de, formalmente, se tratarem de "processos urgentes". Também aqui importa cortar a direito. São intoleráveis e gravíssimos os atrasos neste domínio. Faria sentido agilizar as regras sobre a competência territorial e a possibilidade de alguns processos poderem ser redistribuídos a outros tribunais. Afinal de contas é um processo urgente e como tal deve ser tramitado!

Finalmente, mas não menos importante, importa dizer que o combate à corrupção deve ser travado de modo sério e ponderado. Não pode cingir-se à gritaria populista.
Travar a corrupção implica, sobretudo, eliminar os estorvos que normalmente a propiciam. O atraso na Justiça é um. A excessiva burocracia da Administração Pública é outro. Atuar sobre estes entraves é urgente, como é urgente também a dotação de recursos ao MP e à PJ.

Adicionalmente, e como medida simples para auxiliar na investigação dos crimes económicos, seria de promover a colaboração efetiva entre assistentes e o MP na investigação. Trata-se de uma possibilidade de que o MP não tem inexplicavelmente feito o uso que poderia fazer e basta pensar no que teria sido benéfico para a investigação nalguns casos bem conhecidos poder contar com os recursos técnicos e económicos de alguns lesados que tantas vezes são grandes empresas, bancos, seguradoras, auditoras...

Outra medida que mereceria ponderação para crimes graves, incluindo o crime de corrupção, seria a prisão efectiva do condenado após duas decisões judiciais no mesmo sentido ("dupla conforme"), ou seja, o condenado duas vezes no mesmo processo em pena de prisão, aguardaria o recurso que ainda quisesse interpor, a cumprir pena, na cadeia. Naturalmente, seria indemnizado pelo Estado caso viesse a demonstrar, em sede de recurso, a sua inocência.

Em suma, o sadio funcionamento do sistema de justiça determina o bom desempenho da economia. Adotar estas ou outras medidas similares contribuirá seguramente para tal objetivo.


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